Deixa queimar! Erros são as maiores oportunidades de aprender
Uma tecnologia a ser explorada
No decorrer das eras muita tecnologia surgiu e muita tecnologia interessante foi deixada pra trás simplesmente por algo melhor ter surgido.
Vide os "pagers" (ou "bipes"), uma das primeiras e mais interessantes iniciativas de tecnologia mobile. Mas essa tecnologia ter sumido do "mainstream" não significa que ela sumiu de fato, como exemplificado no artigo "pagers ainda existem e tem gente que realmente usa - Olhar Digital".
E hoje, com frameworks extremamente sofisticados, ORMs, bibliotecas de abstração, a inteligência artificial e sua evolução exponencial nos últimos anos talvez nós estejamos esquecendo de uma importante e sofisticada tecnologia que ainda pode ser muito explorada.
O cérebro.
Produto de esforço
Você já deve saber, mas o cérebro é um COMO um músculo.
Tal qual um peitoral que estoura os botões da camisa precisou passar por anos de supino. Uma mente cognitivamente afiada precisa fazer muito esforço e ser desafiada.
O esforço repetitivo de um músculo consome sua energia, rompe suas fibras e desgasta a si próprio. No fim ele cresce, fica mais forte e mais resistente pois recebeu uma mensagem clara do ambiente: "você precisa ficar mais forte".
O esforço repetitivo de uma mente constrói via caminho neural e neuroplasticidade ligações e trilhas mais rápidas de pensamento, raciocínio rápido, tomada de decisão mais apurada, hábitos.
Mas essas são as águas rasas. É obvio que pra crescer precisa de esforço, não? É obvio que para ficar mais "inteligente" é preciso de esforço, não?
Ótimas perguntas, mas vamos por partes.
Vamos destrinchar o esforço abraçando a analogia do cérebro como músculo mais uma vez.
Esforço
Não é nada raro encontrarmos por aí no mundo da musculação jargões como:No pain, no gain (sem dor sem ganho). Ou Insinuações como: "deixa o músculo queimar", "esmague a musculatura".
Ora, resgate na sua memória um momento em que você se viu com uma lacuna no raciocínio, precisava de uma respostas, mas não tinha aquele conhecimento.
Lembre também da última mensagem de erro gigantesca que apareceu no seu terminal e você não fazia a menor ideia de como lidar.
A ansiedade, o medo do desconhecido, ou desse monstro diante de nós é normal, natural que aconteça. Mas infelizmente o passo errado está na ação tomada logo depois. Desistir, ignorar, ou pior, copiar o código do terminal, colar no prompt do chatGPT e colar a resposta dele no seu editor, rezando para que a conclusão dele suma com aquelas letras vermelhas da sua frente.
Invertendo a analogia, isso seria o equivalente a um desconhecido usar a sua assinatura da academia enquanto você admira as coxas torneadas dele como se fossem suas. Ali não houve esforço da sua parte.
Para o músculo crescer ele precisa de estímulos (treino). Um músculo por si só gasta muita energia para se manter, se o músculo não recebe estimulo para crescer ou se manter, ele se vai embora.
Para o cérebro, o órgão mais energeticamente caro do corpo não é diferente, processar e guardar uma informação demanda muita energia, ele não vai se desenvolver se não receber estímulos para isso.
Aquele conteúdo chatíssimo daquele curso, ou daquele artigo, ou daquele livro que o cérebro teve contato uma única vez, por pouco não dormiu e nunca nem sequer passou pela cabeça revisar, pois seria muito custoso passar por tudo aquilo de novo; não vai se fixar, esqueça.
Tal qual a maioria do conteúdo vertical, você não vai se lembrar daquele reels. Aquela informação veio, passou, e tão útil quanto matéria não revisada, foi apagado da sua memória depois da prova.
O cérebro não recebeu estimulo para guardar aquilo, aquilo não é vital, não foi encarado como importante, não te causou uma emoção, mas foi chato, difícil e no máximo fonte de uma pequena ansiedade momentânea. Não houve esforço em manter aquilo conhecimento ativo e relevante. O cérebro ignora.
Entropia
A entropia é uma medida da desordem ou aleatoriedade de um sistema
A primeira definição que me apareceu ao dar um Google por entropia foi essa.
Podemos considerar a entropia algo como um convite para o caos. Uma brecha pequena ou uma porta escancarada para que as coisas percam o controle de alguma forma.
Você pode não perceber, mas sempre que você se dispõe por algo em prática, você atua como um ponto de entropia. Através de você o caos pode se instaurar.
Talvez uma mensagem de commit dúbia, um PR estranho, uma desacoplagem que poderia ter sido feita, um nível melhor de abstração, nome de variáveis e funções, yada yada yada...
Repito: sempre que você se dispõe por algo em prática, você atua como um ponto de entropia. Através de você o caos pode se instaurar.
Geralmente são nessas horas que o convite ao caminho dos tijolos de ouro é feito. O caminho perfeito, com nuvens de algodão e arco-íris dos tutoriais sem erros.
Esse também é um convite a um caminho fácil, simples, sem desafios, sem grandes aprendizados, sem muito estímulo.
É em caso como esse que nossa percepção de esforço pode falhar.
Sintropia
Foi a minha forma de lidar com o medo e a incerteza que naturalmente qualquer projeto novo propõe. E aqui eu uso código como exemplo.
Mesmo que com projetos onde uma única pessoa é a responsável, no caso, projetos pessoais, experimente deixar um projeto parado por 3 meses, 6 meses, 1 ano, 10 anos. Você definitivamente vai estranhar, ou pelo menos reconsiderar, várias abordagens que você utilizou quando o projeto ainda estava vivo e tudo bem com isso.
A questão é que as engrenagens do mundo giram independente de qualquer vontade, e ficar parado diante disso é como ficar parado na esteira, você vai ser arremessado pra trás!
Cabe então, a nós, diante de todas as possibilidades de erro ou falha, diante de todos esse pontos de entropia respirar fundo e dizer - "Ok, isso até pode ser divertido!".
O único tipo de código que não pode se tornar um caos é código parado, e código parado é chato, entediante, obsoleto, vulnerável e até inútil.
Mas se tocar no seu projeto é convidar a entropia e o caos para entrar, cabe a você e ao seu esforço constante ser a sintropia - o oposto de entropia - desse negócio e mostrar quem é que manda.
E mesmo que as coisas deem errado, uma acusação que você pode largar dos ombros tranquilamente, é a acusação de não ter feito esforço nenhum.
Prazer
Recentemente, numa sexta-feira, depois de uma das semanas mais estressantes e desafiadoras da minha vida, assim que os ânimos baixaram eu me perguntei: "Será que eu deveria estar me divertindo tanto com isso?"
Eu mesmo.
Existe muito valor em errar e aprender, em errar e arrumar e ser um bom mantenedor, um mantenedor que que domina o que está fazendo manutenção. Existe muito valor no esforço de resolver algo por si e não somente espera que o próximo tutorial do YouTube, ou código do Stack Overflow resolva.
O seu cérebro se sente recompensado depois de uma batalha vencida, mesmo que ela tenha sido extenuante.
É como um fã de souls like que gosta de video games dificílimos, ou a musculação usada como exemplo até aqui.
A questão é que, para além do esforço físico e cognitivo, também há muita necessidade de prazer naquilo.
Não estou dizendo que você deve se regozijar durante uma aula que antes era infernal e chatíssima. Estou dizendo que associar fortes emoções é essencial para o aprendizado.
Tente comparar algo que é insuportavelmente custoso para você ouvir, assistir ou estudar com algo que você se interessa e genuinamente gosta. É naturalmente mais fácil.
Cabe a você educar sua mente a gostar de estudar, gostar de desenvolver a sua própria maneira.
Cabe a você sentir prazer no esforço empregado ao ver o seu terminal queimar e você olhar para aquele problemão e pensar - "Ok, isso aqui vai ser divertido."
Não para! Deixa queimar!
- Algum coach de musculação