Tudo bem se você usa o ChatGPT para escrever
O texto abaixo foi extraido do Manual do Usuário
Tudo bem se você usa o ChatGPT para escrever
Eu não me importo se você usa o ChatGPT ou qualquer outra IA generativa para escrever. Não faz diferença, no fim das contas. O preciosismo com que muitos tratam o assunto (incluindo eu, até pouco tempo atrás), como se houvesse alguma qualidade intrínseca digna de preservação no texto puramente humano, é infundado.
Sei que é uma opinião polêmica. Peço, além da sua paciência, que a encare num sentido estrito, ou seja, que desconsidere outras questões que orbitam o assunto, como a ética e a ambiental. Dito isso, a seguir tentarei justificá-la.
Se você acha que o ChatGPT escreve melhor que você, é provável que você esteja certo(a). Do meu lado, na qualidade de leitor, (ainda?) é fácil sacar quando um texto é gerado por IA e quando é fruto da imaginação de um ser humano — ou a maior parte, pelo menos.
Ainda nesse papel, óbvio que levo em conta essa percepção na hora de decidir por ler ou não qualquer coisa. E, também quase dispensável dizer, aprecio muito mais textos humanos, ou aqueles em que a humanidade de quem escreve se manifesta.
O preciosismo dos avessos aos textos de IA parte de uma premissa falha, de que o texto 100% humano é sempre melhor.
Não só existe muito texto muito, como existe muito texto que, mesmo escrito por humanos capazes e que saem como o planejado, ainda assim são ruins. Parecem-se com texto de máquina. Isso precede o ChatGPT. Sites e blogs que adoram o algoritmo do Google, por exemplo, há anos publicam textos que pouco se distinguem do lero-lero gerado pela IA. E-mails corporativos, relatórios, notícias de balanços de empresas e resultados esportivos… são vários os exemplos.
Às vezes a gente não tem escolha a não ser encarar textos ruins. Muitas vezes, isso é uma escolha — eu ignoraria aquele bilhete de aniversário que o Alex recebeu, por exemplo.
A vida não é um grande concurso de prosa ou poesia, infelizmente.
Nessas situações, faz diferença se o autor usou IA? Se o texto foi parcial ou totalmente escrito pelo humano ou pela IA? O que importa, a qualidade do texto apresentado ao leitor, não muda. Continua sendo um texto ruim.
Um exemplo específico. Dia desses topei com esta notícia no site Phone Arena, intitulada “O não anunciado Galaxy S25 Edge da Samsung já está em pré-venda no Reino Unido a um preço altíssimo”. Ela é assinada por uma pessoa e nada na página indica o auxílio de uma IA generativa.
A notícia tem 664 palavras. O preço só aparece após 457 palavras, ou seja, a “introdução” (enrolação) ocupa 68,8% do texto. Poderia apostar que é porque o Google penalizaria textos com poucas palavras.
É irônico, mas a IA fez um trabalho muito melhor para sanar a dúvida que o artigo do Phone Arena se presta a responder (ainda que bebendo de fontes como o próprio Phone Arena). O Perplexity entrega o preço do celular após 58 palavras.
A IA entrou em um jogo em que nós, humanos, não podemos ganhar. Qual jogo? O do texto medíocre, ou ruim.
Entendo o sentimento de traição que a imprensa tem em relação à IA generativa. Jornais do mundo inteiro tiveram seus “corpus” absorvidos e regurgitados por robôs que, como o exemplo bobo acima demonstra, muitas vezes fazem um trabalho melhor que o da fonte de onde bebem.
Mesmo assim, é difícil encontrar uma redação que não esteja no mínimo experimentando soluções baseadas em IA.
Esse cenário expõe algumas verdades inconvenientes que o jornalismo e, de modo mais amplo, todos os setores criativos demoraram a encarar: que a palavra é ferramenta. Que a matéria-prima de um jornal, de um blog, de quem escreve não é a palavra escrita, mas sim o que elas expressam.
O purismo que detrata o texto gerado por IA pode ser elevado à décima potência. Por que usamos editores de texto com corretores ortográficos, salvamento automático, versionamento e outros auxílios artificiais? O texto digital é digno da nossa leitura, como o foi o impresso por séculos?
Talvez, em algum momento, o texto gerado pela IA se torne sofisticado o bastante para fazer frente ao de um humano que domina a palavra. A tradução é um indicativo desse futuro incerto, mas provável. IAs traduzem muito bem argumentos coloquiais do português para o inglês e vice-versa, e não tenho vergonha alguma em dizer que uso muito esse recurso para traduzir citações neste Manual e na edição em inglês.
Tampouco me vejo na obrigação de dar transparência a esse e outros usos. Vejo um esforço enorme de algumas redações, como a dos amigos do Núcleo, em explicitar todo e qualquer uso de IA. Nesse contexto, IA é ferramenta, ou é usada como tal. Não me importa se você usou o Word, o Photoshop ou qualquer outra coisa, incluindo IAs.
E sabe por que não importa? Quem lê este blog ou o Órbita1 consegue sentir, no fundo da alma, que uma IA não poderia gerar o que está escrito aqui. E se quem lê é incapaz de sacar esse tipo de sutileza, sinto dizer, mas ela vai ignorar, no máximo estranhar o “disclaimer” de que a IA foi usada para isso ou aquilo.