🎙️ Rodrigo Vertulo | Do Assembly à Arte: A Jornada de TooIzzi no Universo dos Jogos Retrô
Galera, essa semana tive o prazer de entrevistar um grande engenheiro de software brasileiro para a GameStack, e quero muito compartilhar essa conversa com vocês!
Foi uma troca inspiradora com alguém que representa o que há de melhor na interseção entre tecnologia, criatividade e paixão pelos jogos clássicos.
Rodrigo Vertulo desenvolve, em pleno 2025, jogos para Commodore Amiga, C64 e Atari 2600. O cara manja muito de software!
Espero que curtam a entrevista, ela é exclusiva e segue abaixo na íntegra:
Nesta entrevista especial, conversamos com Rodrigo Cesar Vertulo, também conhecido como TooIzzi no mundo do retrogaming. Cientista da Computação, Engenheiro Eletrônico, artista visual e apaixonado por jogos clássicos, Rodrigo une técnica e criatividade para desenvolver games que resgatam o charme e os desafios das plataformas como Commodore Amiga, C64 e Atari 2600.
Ele nos contou sobre sua trajetória, processo criativo, projetos atuais e a paixão que move cada linha de código — sempre com um olhar artístico e nostálgico. Prepare-se para mergulhar em um universo onde os bits têm alma e cada jogo carrega uma história única.
GameStack: Antes de tudo, agradecemos por aceitar nosso convite! Para quem ainda não conhece seu trabalho, como você se apresentaria? Quem é Rodrigo Vertulo — ou melhor, TooIzzi — dentro do universo dos jogos retrô?
Rodrigo Vertulo: Olá, meu nome é Rodrigo Cesar Vertulo, mas muitos me chamam apenas de Vertulo. Utilizo o pseudônimo TooIzzi no mundo do retrogaming. Sou um Cientista da Computação e Engenheiro Eletrônico de 47 anos, metido a artista e que adora misturar desenvolvimento tecnológico com criação artística.
GameStack: Rodrigo, o que despertou sua paixão por desenvolver jogos para plataformas clássicas como o Commodore Amiga, C64 e Atari 2600?
Rodrigo Vertulo: Já sou um "tiozinho" grisalho de 47 anos e cresci acompanhando a evolução do mercado de vídeo games e computação. Vivenciei o Atari 2600, Master System, Mega Drive, Nintendinhos e aprendi a programar computadores em máquinas como PCs XT, Commodore Amiga e MSX. Na minha época de garoto eu sempre sonhava em ter conhecimentos suficientes para criar meus próprios games, mas nunca cheguei a esse ponto. Criar jogos para esses sistemas antigos é algo bastante complexo comparado com as facilidades que se tem atualmente com games engines como Unity, Godot, Unreal, entre outras. Foram os anos de experiência trabalhando com o desenvolvimento de softwares comerciais para grandes empresas de tecnologia, em especial na IBM onde atuei por mais de 15 anos como Engenheiro de Software, que me prepararam para hoje me sentir confortável para realizar aquele sonho de garoto e começar a criar meus próprios games para plataformas clássicas.
GameStack: Como sua formação em engenharia eletrônica e ciência da computação influencia na criação de jogos retrô?
Rodrigo Vertulo: A Engenharia Eletrônica é muito importante quando o assunto é programação em Assembly, otimização de códigos, gerenciamento de memória, etc. É preciso lembrar que os sistemas antigos normalmente são programados em código de máquina e, mesmo para aqueles que possuem linguagens de programação de mais alto nível como variantes do Basic e C, compreender o hardware das plataformas é imprescindível para extrair o máximo de cada sistema. A Ciência da Computação me dá as ferramentas necessárias para conseguir pensar de forma lógica e com a abstração necessária para aplicar os fundamentos da programação independente da linguagem utilizada. Dominar esses fundamentos me permite criar em qualquer linguagem de programação, inclusive em código de máquina, e isso é fundamental para a criação de jogos para plataformas clássicas.
GameStack: Você se considera mais engenheiro, artista ou contador de histórias? Como equilibra essas facetas no desenvolvimento dos seus jogos?
Rodrigo Vertulo: Essa é uma boa pergunta. Definitivamente não me considero um contador de histórias. Meus jogos são predominantemente de estratégia e puzzles inteligentes. Gosto de games que obrigam o jogador a pensar, nada de ficar controlando um avatar correndo e atirando pela tela. O tipo de jogos que desenvolvo possuem histórias rasas, mas envolvem uma carga maior de pensamento estratégico. Basta procurar por TooIzzi na Steam, onde já publiquei jogos para PC, e na itch.io onde concentro os jogos vintage para ter uma ideia do meu estilo de games. Agora, se sou mais Engenheiro ou mais Artista, é difícil de dizer. A arte faz parte de minha vida tanto quanto a engenharia. Veja meus trabalhos artísticos no Instagram (@rvertulo.art) e o meu site sobre eletrônica (labdeeletronica.com.br) para entender o que quero dizer. Passei minha vida envolvido nas duas áreas e não consigo separar uma coisa da outra.
GameStack: Você utiliza linguagens como Blitz Basic 2 e AMOS Pro. Quais são os principais desafios e encantos de programar com essas ferramentas em pleno século XXI?
Rodrigo Vertulo: Os jogos para Commodore Amiga costumo desenvolver em Blitz Basic 2 ou AMOS Pro. Para a plataforma C64 uso o compilador CC65 programando em C. Para Atari 2600, apesar de ainda não ter jogos publicados (o primeiro espero lançar ainda em 2025) programo em Assembly e estou começando a me familiarizar com o Batari. Apesar de existirem algumas game engines para Commodore Amiga, Scorpion e RedPill são as que conheço, e a SEUCK para C64, tanto para a linha da Commodore, quanto para o Atari, o maior desafio está relacionado a ser preciso criar muita coisa sem ter as facilidades que se encontra com tecnologias atuais. Para dar um exemplo, durante minha carreira profissional desenvolvendo softwares comerciais, me especializei na linguagem de programação Python. Essa linguagem possui uma enorme quantidade de tipos e estruturas de dados que trazem uma enorme versatilidade ao desenvolvedor. As linguagens que são utilizadas nas plataformas clássicas não possuem essa riqueza de estruturas de dados e criar softwares mais complexos para elas exige uma boa dose de criatividade para se virar com o que elas oferecem.
GameStack: No desenvolvimento de Fish Tycoon para o C64, como foi o processo de criação dos gráficos em PETSCII? Quais foram as maiores dificuldades e aprendizados?
Rodrigo Vertulo: O Fish Tycoon surgiu de uma maneira inusitada. Eu fui acompanhar minha esposa em uma maratona de exames médicos de rotina. Enquanto ela fazia os exames eu fiquei algumas horas aguardando na sala de espera do laboratório. Foi durante esse tempo que fiquei imaginando que poderíamos estar em outro lugar, fazendo outra coisa, ao invés de estarmos em um laboratório para exames médicos. Pensei que poderíamos estar, por exemplo, pescando. Então comecei a pensar no funcionamento do game e a fazer anotações no meu celular. Quando saímos do laboratório todo o conceito do jogo estava pronto para ser traduzido para uma linguagem de programação e escolhi a plataforma C64 para isso. Usar gráficos PETSCII foi um desafio auto imposto. Eu queria testar meu senso artístico e ver até onde eu conseguiria chegar com uma limitação tão grande derivada do uso do PETSCII em que cada bloco gráfico e caractere deve ser criteriosamente escolhido para se chegar a um resultado interessante.
GameStack: Como você aborda o design de som e música em seus jogos? Há alguma trilha sonora que te inspira particularmente?
Rodrigo Vertulo: Eu toco guitarra, violão e gaita como hooby. Cheguei a tocar em uma banda de rock e a me apresentar em alguns barzinhos em São Paulo, mas isso acabou ficando como passatempo mesmo. A lado bom dessa experiência musical é que consigo criar minhas próprias músicas e efeitos sonoros para meus games. Eu costumo primeiro procurar por músicas e efeitos sonoros livres de royalties para usar nos jogos, mas quando não encontro algo que me agrada parto para criações próprias. Como tenho uma "bagagem" musical no Rock e adoro Blues, as músicas dos meus games sempre tendem para esse lado.
GameStack: Seus jogos, como Skinny Marley e LightTheLEDs, são conhecidos por seus desafios lógicos. Como você equilibra a dificuldade para manter o jogador engajado sem causar frustração?
Rodrigo Vertulo: Gosto de criar jogos com alta rejogabilidade. No caso do Skinny Marley, que é uma variação do Sokoban, eu criei vários níveis com graus crescentes de dificuldade. As primeiras fases são relativamente fáceis, mas a coisa vai se complicando a cada novo nível. O interessante é que mesmo depois de fechar todos os níveis, basta ficar um tempo sem jogar e retomar depois de alguns dias que todo o desafio retorna, já que é bem difícil uma pessoa conseguir memorizar todos os padrões de movimentações para resolver os puzzles.
No caso do LightTheLeds a rejogabilidade é extrema. Nenhuma partida é igual a outra e sempre busco essa característica em meus jogos. Meu foco é procurar fazer de cada partida uma nova experiência. O LightTheLeds nasceu de um game Print&Play que criei baseando-me em outro jogo chamado 30 Rails. O princípio de funcionamento é o mesmo, mas adicionei muitas mecânicas novas. Antes de programar esse jogo, criei ele inteiramente em papel e usando dados. Depois que a mecânica se mostrou estável no mundo físico, com vários amigos e familiares jogando e validando a ideia, transformei-o em um game digital.
Para evitar a frustração procuro sempre adicionar elementos estratégicos que ao serem bem utilizados podem aumentar as chances de sucesso do jogador.
GameStack: Você interage com comunidades de entusiastas de retrocomputação. Como esse feedback influencia no desenvolvimento dos seus jogos?
Rodrigo Vertulo: Eu levo muito a sério todos os feedbacks que recebo, a não ser quando noto que são provenientes de haters (infelizmente tem bastante gente adora destilar suas frustrações online). As críticas e sugestões construtivas são analisadas e sempre que possível as adiciono nos games. Quando são mudanças mais simples, lanço atualizações na versão atual do jogo, por outro lado, as sugestões que envolvem grandes mudanças na base desenvolvida entram no meu ToDo List para serem implementadas em versões futuras.
GameStack: Quais são os jogos clássicos que mais te influenciaram e por quê?
Rodrigo Vertulo: Where in the World is Carmen Sandiego é um clássico que me inspira bastante pelo fator estratégico e excelente narrativa que apresenta. Esse é o primeiro que me vem à mente, pois é um jogo que consegue entregar uma grande rejogabilidade em uma experiência que entretém e educa ao mesmo tempo.
Me inspiro muito em jogos de tabuleiro e boa parte dos meus games nascem primeiro como experiências analógicas para depois serem transformados em vídeo games. Os meus jogos para PC, em especial o Mage Hunters e Puzzle Soccer e o LightTheLeds para Amiga são os exemplos mais icônicos. Todos eles nasceram como jogos de tabuleiro usando mecânicas clássicas, e depois foram convertidos em jogos digitais.
**GameStack: ** Recentemente, você lançou Fish Tycoon para o C64. Pode nos contar mais sobre esse projeto e o que o torna especial?
Rodrigo Vertulo: Como eu disse anteriormente, ele nasceu em uma sala de espera de um laboratório médico. Esse jogo foi criado para ser uma experiência relaxante, como uma válvula de escape da correria e estresse do dia a dia. Não é um jogo sobre enfrentar grandes aventuras, sair atirando, correndo, explodindo coisas. No Fish Tycoon você apenas lança o anzol e espera para ver que peixe pegará. O foco é fazer a pessoa passar alguns momentos sem pensar em nada além de pescar e gerenciar seu inventário e dinheiro para apenas poder continuar pescando. Ele é muito mais uma experiência do que um jogo propriamente dito.
GameStack: Você mencionou estar construindo um teclado customizado para um mini Amiga com PiMiga. Pode compartilhar mais sobre esse projeto e suas motivações?
Rodrigo Vertulo: Tenho um hardware original do Amiga 1200 que recentemente, depois de mais de 30 anos, parou de funcionar. Estou em débito com meu lado Engenheiro Eletrônico para abrir a máquina e tentar arrumá-la. Espero logo encontrar tempo e disposição para isso. Como não consigo ficar sem a experiência de usar um Amiga, configurei meu Raspberry Pi como um ambiente Amiga para continuar usando a plataforma. Apesar de eu possuir um TheA500 Mini, não gosto muito de colocá-lo em uso porque tenho pena de usá-lo e o trato como peça de colecionador. Só uso o TheA500 Mini para testar meus jogos nesse equipamento antes de lançá-los para garantir que funcionam bem nele.
Como uso muito o ambiente Amiga com o Raspberry Pi eu precisava de um case para colocar a plaquinha eletrônica dentro. Eu até imprimi em 3D um case no formato de um Amiga que encontrei no site Thingiverse e ficou bacana, mas meu lado artista me forçou a criar na mão meu próprio case Amiga do zero. Esse projeto está em andamento e está ficando interessante. É bastante trabalhoso.
**GameStack: ** Quais são seus planos futuros para a TooIzzi? Podemos esperar novos jogos ou talvez incursões em outras plataformas clássicas?
Rodrigo Vertulo: Atualmente estou desenvolvendo o ParkLine 64 para C64, que é um simulador de gerenciamento de terminais de auto atendimento de estacionamentos. Nesse game, o jogador basicamente assumirá o papel de um administrador de estacionamento de um shopping center cujo objetivo é controlar a disponibilidade de terminais de pagamento para evitar o crescimento descontrolado da fila de espera de clientes. O coração do game está pronto e agora preciso implementar a interface gráfica que será em PETSCII.
Além desse jogo, pretendo lançar ainda em 2025 o DustBorn para Atari 2600, que será uma experiência contemplativa de mineração de pedras preciosas. O game design document do jogo está pronto e estou ansioso para começar o desenvolvimento para o Atari. Será um jogo bem interessante e diferente.
No mundo do hardware estou com planos de desenvolver dispositivos físicos, por exemplo joysticks especiais, para serem utilizados com meus jogos. Apesar de tudo ainda estar no mundo das ideias, pode ser que algo surja em breve.
GameStack: Como você vê o papel dos jogos retrô na cultura atual? Acredita que há um renascimento ou uma nostalgia crescente por essas experiências?
Rodrigo Vertulo: Recentemente escrevi um Post no LinkedIn refletindo sobre isso. O pessoal do final dos anos 1970 e das décadas de 1980 e início dos anos de 1990, que cresceu com esses sistemas que hoje são clássicos, são pessoas na faixa dos 40 a 50 anos de idade. São pessoas que estão prestes a se aposentarem, que possuem um certo poder aquisitivo, estão bastante familiarizadas com tecnologia, possuem um enorme senso de nostalgia e adoram reviver os velhos tempos. Talvez isso explique a explosão da popularidade de tudo o que é relacionado ao mundo retro que estamos presenciando.
O apelo ao retro sempre vai existir, pois a tecnologia moderna de hoje será a tecnologia vintage do futuro; o jovem de hoje será o adulto nostálgico de amanhã.
GameStack: Se pudesse colaborar com qualquer desenvolvedor ou estúdio, atual ou do passado, quem seria e por quê?
Rodrigo Vertulo: Nunca pensei sobre isso. Como eu tenho a veia artística que já comentei, eu prezo muito pelo trabalho feito à mão, pelo teor artesanal de minhas criações. Trabalhar para um estúdio tiraria isso de mim, e me juntar a outro desenvolvedor eliminaria muito de minha necessidade de me expressar por meio de minhas criações. Talvez eu seja um pouco individualista quando o assunto é criação artística e para mim criar jogos é criar arte.
GameStack: Para quem deseja iniciar no desenvolvimento de jogos para plataformas clássicas, que conselhos você daria?
Rodrigo Vertulo: Meu conselho serve tanto para o desenvolvimento para plataformas clássicas quanto para as modernas: Comece pequeno! Não tente abraçar o mundo de uma vez. Pense em evolução gradual, comece criando pequenas experiências interativas, evolua para joguinhos mais simples, a cada desenvolvimento implemente coisas novas. Agindo assim, em pouco tempo a pessoa conseguirá ver a evolução no desenvolvimento e quando menos esperar estará lançando seus jogos.
Especialmente no mundo retro, a experiência de jogabilidade é mais importante do que gráficos foto realistas e trilhas sonoras incríveis. Desenvolver para plataformas clássicas tem mais relação com criar experiências lúdicas do que cinematográficas.
GameStack: Rodrigo, agradecemos imensamente por ter compartilhado sua história, suas ideias e sua paixão conosco nesta entrevista. É inspirador ver como seu trabalho como TooIzzi vai muito além da criação de jogos — ele representa um verdadeiro esforço de preservação histórica, resgatando e celebrando plataformas clássicas com criatividade, técnica e sensibilidade artística.
Seu compromisso com o retrogaming ajuda a manter viva uma parte fundamental da cultura dos videogames, além de mostrar que ainda há muito a ser explorado nos limites dessas máquinas do passado.
Desejamos muito sucesso nos seus próximos projetos — tanto nos jogos quanto nos experimentos eletrônicos — e que sua trajetória continue inspirando novos criadores, nostálgicos e curiosos por esse universo incrível.
Conversar com Rodrigo Vertulo — ou TooIzzi, para os fãs do retrogaming — é como abrir um cartucho antigo e encontrar dentro dele não só nostalgia, mas também inovação, paixão e um olhar artístico raro. Sua capacidade de unir engenharia, arte e jogo inteligente mostra que criar para plataformas clássicas vai muito além da técnica: é um verdadeiro ato de expressão.
Se você se interessa por jogos estratégicos, experiências retrô com um toque autoral e quer conhecer projetos que resgatam o charme dos 8 e 16 bits com criatividade e propósito, não deixe de explorar o trabalho do Rodrigo.