LLMs: Do autocompletar ao conhecimento
Immanuel Kant, no século XVIII, propôs uma revolução: nosso conhecimento não é um reflexo puro da realidade, mas uma construção. Kant distinguia entre o "noumeno" (a coisa em si, inacessível) e o "fenômeno" (o mundo como o percebemos). Em sua "Crítica da Razão Pura", Kant argumenta que possuímos categorias a priori - estruturas mentais inatas que nos permitem organizar e dar sentido aos dados brutos dos sentidos. O conhecimento, portanto, surge da interação entre o que existe "lá fora" e o aparato cognitivo que usamos para interpretá-lo. ssa ideia pavimentou o caminho para entender que o conhecimento é uma construção ativa.
As primeiras manifestações simbólicas humanas eram representações diretas da realidade, desenhos de animais, marcas contando dias, símbolos representando conceitos básicos. Com o tempo, estes símbolos se tornaram mais abstratos. Os sumérios desenvolveram a escrita cuneiforme, os egípcios criaram os hieróglifos, e gradualmente emergiram sistemas alfabéticos que permitiram maior flexibilidade na representação de ideias. Mas como isso se relaciona com LLMs? Vamos avançar para o Renascimento.
Francis Bacon propôs o método indutivo, enquanto Galileu Galilei estabeleceu as bases da experimentação controlada. A ciência moderna nasceu da combinação entre observação empírica rigorosa e formulação de hipóteses testáveis. O método científico que conhecemos hoje segue uma estrutura clara: observação, formulação de hipóteses, experimentação, análise de resultados e conclusões.
Aqui, vale abrir um parêntese.
Nossos ancestrais nas cavernas começaram com desenhos – símbolos que representavam presas, perigos, dias.. Esses símbolos evoluíram para abstrações, sons.. Evoluímos para pictogramas (como os egípcios), ideogramas (como os chineses) e alfabetos fonéticos (como o fenício, base para o grego e o latim) e eventualmente chegamos nas línguas que temos hoje. A lingua é, fundamentalmente, um sistema de símbolos e regras que usamos para criar um modelo compressivo e compartilhado da realidade.
A língua humana é uma API que nos permite pegar os dados caóticos e confusos do mundo e transformá-los em conceitos estruturados e compartilháveis.
Isso nos traz de volta à ciência. Realizamos um experimento — misturando produtos químicos, observando uma estrela distante, rodando uma simulação. Isso produz dados brutos: leituras de temperatura, espectros de luz, métricas de desempenho.
Esses dados brutos não são conhecimento.
Eles só se tornam conhecimento quando usamos a linguagem para interpretá-los. Descrevemos a configuração do experimento. Formulamos os dados brutos em uma hipótese falseável ("Se aumentarmos a temperatura, a taxa da reação irá dobrar"). Em seguida, testamos e usamos a linguagem novamente para resumir os resultados ("A hipótese foi confirmada, com um intervalo de confiança de 95%").
Agora, saltamos para o presente. O que são os Large Language Models (LLMs) senão sistemas incrivelmente poderosos para entender e gerar... linguagem? Eles internalizaram as regras e símbolos do nosso sistema a partir de trilhões de exemplos. Mas a visão popular os reduz a "papagaios glorificados" ou "autocompletores sofisticados". Isso não está erradd, mas é como olhar para um iceberg e enxergar apenas a ponta. De fato os chatbot como Chatgpt/Gemini/Grok/Claude/Deepseek/... são apenas a primeira aplicação comearcial de sucesso desta tecnologia.
É aqui que devemos nos libertar da mentalidade "LLM = chatbot". O verdadeiro poder está em usar o LLM como um componente cognitivo, dentro de um sistema "inteligente" muito maior. Pense em um sistema projetado para otimizar o desempenho de milhares de GPUs em um data center. Em um pipeline científico moderno, como os usados pelas Big Techs, ele está fazendo coisas do tipo:
- Observar Dados Brutos: O sistema monitora terabytes de dados brutos de desempenho: velocidades de clock, temperaturas, consumo de energia, produtividade computacional.
- Formular uma Hipótese: Em vez de um analista humano, o LLM é encarregado de interpretar esses dados. Ele traduz os números brutos em uma hipótese linguística e falseável: "Eu hipotetizo que reduzir ligeiramente a voltagem das GPUs no rack 47 enquanto aumento a velocidade de clock de sua memória em 5% reduzirá o afogamento térmico (thermal throttling) e aumentará o desempenho geral em 2%."
- Executar o Experimento: O sistema automatizado executa essa mudança nas GPUs especificadas.
- Resumir os Resultados: O sistema coleta os novos dados brutos e os envia de volta para o LLM. O LLM então os traduz de volta para a linguagem: "O experimento foi bem-sucedido. A hipótese foi confirmada. O desempenho aumentou 2,3% com uma redução de 7% no consumo de energia. Esta estratégia deve ser testada em todo o cluster."
Em 20025, os LLMs não estão limitados a dados pré-existentes. Cada vez mais, eles estão conectados a:
- Sensores em tempo real: Coletando dados ambientais, de tráfego, climáticos
- Sistemas web: Monitorando mudanças em websites, preços, tendências sociais
- Equipamentos de laboratório: Controlando e interpretando resultados de experimentos físicos
- Telescópios e satélites: Analisando dados astronômicos em tempo real
Isso não é um autocompletar. Este é um ciclo autônomo de descoberta científica. O LLM está atuando como a ponte crucial entre dados brutos e não estruturados e o reino simbólico e estruturado da linguagem, onde vivem as hipóteses e as conclusões. Ele está fazendo exatamente o que o cientista humano faz, mas em uma escala e velocidade que mal podemos compreender.
Ainda estamos apenas no começo, mas as bases estão lançadas. A próxima geração de conhecimento não será apenas descoberta por humanos em laboratórios. Será cocriada com sistemas que podem executar milhões de experimentos, transformando a enxurrada de dados brutos do mundo na linguagem estruturada do entendimento. Eles já estão fazendo isso, e é hora de os vermos pelo que são: não apenas chatbots, mas os motores de um novo renascimento científico.
Um abraço e bons estudos!