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A vida não é um jogo de soma zero. E você deveria se importar com isso.

Imagine a seguinte cena: você trabalha como engenheiro de software em uma multinacional e possui responsabilidades extremamente relevantes para o negócio.

Mas em um dia aparentemente comum, você recebe uma mensagem no Slack. É o RH querendo conversar sobre alguma coisa.

Chegando na sala online a conversa começa de forma direta:

Nós sabemos que você e o outro engenheiro do seu time realizaram diversas alterações maliciosas na base de códigos da empresa com o objetivo de desviar dinheiro dos nossos clientes pra carteiras de BTC. Ele está sendo questionado numa outra ligação nesse exato momento.

Nessa hora você gela. "Me pegaram! Mas Como?!".

A pessoa do RH continua:

Nós temos algumas opções para você avaliar, e saiba que estamos oferecendo a mesma coisa ao seu cúmplice. A sua primeira escolha é cooperar conosco e confessar que vocês dois fizeram as alterações. Se fizer isso, e o seu cúmplice não cooperar, nós demitimos você SEM justa causa e apenas ele vai ser incluído no processo judicial, além de demissão COM justa causa. Mas se você não cooperar e o outro cooperar, você é quem vai ser incluído no processo judicial e será demitido COM justa causa. Ele será apenas demitido SEM justa causa. Nesse processo, estamos pedindo uma indenização de 10 milhões de reais!

Nesse momento, você pergunta: E o que acontece se ambos cooperarmos com vocês OU se ambos ficarmos calados?

Se ambos cooperarem, vocês serão demitidos COM justa causa e aplicaremos uma multa de R$50.000,00 a cada um. Se vocês ficarem calados, vamos apenas demitir vocês dois COM justa causa.

E aí... O que você vai fazer? Coopera com a empresa e delata seu cúmplice ou fica quieto?

De uma forma mais objetiva, qual estratégia te dá um cenário que minimiza seus prejuízos?

Para o processo ficar mais interessante, recomendo que pense e comente sua escolha antes de prosseguir com a leitura.

Antes de eu responder qual é a estratégia mais eficiente em termos de minimizar seus danos, deixa eu apresentar algumas coisas bem interessantes.

A nossa sociedade sempre foi muito competitiva. Desde os primórdios da humanidade, vemos comércios batalhando para crescer enquanto seus concorrentes vão aos poucos enfraquecendo. Vemos nações lutando por território, criando e aumentando programas de armas nucleares, correndo para ver quem desenvolve mais rápido tecnologias que vão coloca-los na frente em termos de domínio e soberania. Então, seria natural sentirmos conforto com a ideia de ganhar enquanto o concorrente perde na mesma proporção, certo?

Claro! Se ganharmos na mesma quantidade que o outro perde, o distanciamento entre nós fica 2x maior.

Mas será que é assim que o mundo funciona mesmo? E será que essa forma de pensar é mesmo tão boa quanto parece?

Apesar de eu trabalhar com TI/Cyber há 17 anos, tenho uma profunda paixão (e uma graduação) pela matemática e uma das coisas que mais me prende é ver padrões sociais serem descritos por ela. E não estou falando apenas de padrões de reprodução de populações. Estou falando de tomada de decisões, de uma forma mais específica.

As interações humanas são profundamente complexas, especialmente quando existem muitas opções possíveis, cada uma com suas ramificações de consequências.

Mas existe uma área da matemática que estuda justamente as interações entre partes em cenários de tomada de decisão. Estou falando da teoria dos jogos. Nela, é chamado de jogo qualquer processo de interação entre duas ou mais partes, que chamamos de jogadores. Essa área matemática estuda as estratégias possíveis que os jogadores possuem à disposição para garantir a maximização de vantagem no processo de decisão, enquanto leva em conta as opções disponíveis aos outros jogadores.

A teoria dos jogos é tão fascinante assim não apenas pelo que eu falei acima, mas também porque ela transcende a matemática. Ela é aplicada também dentro da economia, psicologia, política e várias outras categorias de estudos aplicados à nossa sociedade. Além disso, ela descreve estratégias não apenas em cenários de cooperação, mas também de barganha, leilão, influência e diversos outros.

Tudo bem. Até aqui você já deve ter entendido que:

  • Eu sou um nerd doido
  • Teoria dos jogos é importante demais para entender como a sociedade funciona
  • Ela nos ajuda a tomar decisões otimizadas para minimizar prejuízos

Mas por que eu disse que você deveria se importar com isso?

A resposta pode parecer óbvia, mas, acredite, não é trivial de explicar.

Cooperação é, de uma forma simplista, a resposta para quase todas as formas de conflito existentes e a matemática da teoria dos jogos prova. Além disso, todas as outras áreas que ela toca nos trazem evidências que corroboram isso dia após dia.

E isso é válido tanto no macro quanto no micro. Ou seja, as mesmas regras que se aplicam a processos de decisão críticos entre nações em conflito também descrevem como podemos nos comportar frente a um incidente de trânsito, por exemplo, na forma como fazemos uma negociação de compra e venda, ou até mesmo na forma como lidamos com os pedidos às vezes impossíveis de nossos filhos.

Então, na prática, eu quero passar aqui é que colaborar SEMPRE vai ser a estratégia mais benéfica em longo prazo, mesmo que, individualmente, ela não seja a de menor dano ou mais vantagem.

Ainda não está convencido? Então vamos voltar ao dilema que eu propus no início. Olha só essa tabelinha:

Você cooperaVocê NÃO coopera
Cúmplice CooperaVocê: 50k + justa causa / Ele: 50k + justa causaVocê: Jusca causa + processo / Ele: SEM justa causa
Cúmplice NÃO CooperaVocê: SEM justa causa / Ele: Justa causa + processoVocê: justa causa / Ele: Justa causa

Na tabela, estão descritas todas as possíveis combinações de decisões que você e o seu cúmplice podem gerar. Ambos cooperam, ambos não cooperam, você coopera e ele não, ou você não coopera e ele coopera.

Acompanhe, com atenção, as suas decisões, mas foque nas que te trazem MENOS dano.

Se você cooperar (quadrante do topo à esquerda), duas coisas podem acontecer: OU você é demitido COM justa causa e leva uma multa de 50 mil reais, OU você é apenas demitido SEM justa causa.
Se você NÃO cooperar (quadrante do topo à direita), também duas coisas podem acontecer: OU você é demitido COM justa causa e ainda é incluído no processo judicial que vai te dar um prejuízo de 10 milhões, OU você é apenas demitido COM justa causa.
O ponto crucial aqui é: você não pode confiar no seu cúmplice. E mais: vocês não podem se comunicar e combinar o que farão. E mesmo se pudessem, ainda assim você não pode confiar que ele fará o que combinou. No final das contas, o que vai pesar mais sempre será o maior benefício.

Sendo assim, a sua melhor decisão, ou seja, a que minimiza as suas perdas, é cooperar. Assim, ou você leva uma multa razoável e é demitido com justa causa OU sai apenas com uma demissão SEM justa causa. Coletivamente falando, e no longo prazo, essa é a melhor escolha. Isso porque, se você não cooperar, o risco vai ser muito maior, visto que seu cúmplice pode querer se safar e cooperar, o que vai te deixar na pior situação possível, mesmo que exista a chance de ambos se darem bem ao não cooperar. De novo, na prática você não pode confiar nele.

Te convenci? Não?! Ok, vamos continuar então. Dessa vez, com Warren Buffet.

Em uma publicação de 2010 para o The New York Times, Buffet propõe uma proposta de lei de reforma de contribuições para campanhas eleitorais que aumenta o tamanho de doações individuais (pessoas físicas) de mil dólares para cinco mil dólares. Ao mesmo tempo, a proposta passa a proibir doações de empresas e uniões.

Esse tipo de alteração traria uma redução drástica no tamanho das doações dos partidos, de uma forma geral. Sendo assim, essa proposta de reforma nunca passaria no congresso, visto que ela vai contra os interesses daqueles que decidem.

Imagine, então, o seguinte:

E se um bilionário excêntrico fizesse a seguinte oferta: se a proposta não passar, ele doaria 1bi dólares para o partido que tivesse dado mais votos A FAVOR dela.
Sendo assim, ele agora dá um incentivo gigantesco para que ambos os partidos tomem ações que vão CONTRA seus interesses mútuos. Isso porque, no caso de a lei não passar, aquele que "vencer" a votação, ou seja, deu mais votos contra, vai automaticamente dar ao partido oposto a quantia de 1bi dólares e permitir que eles dominem completamente o cenário político do país pelos próximos 10 anos.

O objetivo, agora, passa a ser outro: impedir que a oposição ponha as mãos nesse dinheiro. Isso leva a ação inevitável de votar a favor da aprovação da lei.

Mas lembre: ambos os lados vão adotar a mesma estratégia. Isso significa que a votação aprovará a lei e o bilionário vai ter conquistado seu objetivo de graça.

Esse exemplo, junto com o do início deste artigo e tantos outros, demonstra que a melhor estratégia nem sempre é aquela que pode te beneficiar individualmente, mas sim que vai beneficiar algum terceiro (no caso da proposta de lei, é a população). De uma forma um pouco mais simplista, é melhor ver apenas um pássaro na sua mão do que os dois indo embora, ou pior, indo para as mãos do oponente.

Eu poderia ficar aqui escrevendo por mais duas horas outra meia dúzia de exemplos que demonstram a mesma coisa: a vida não é um jogo de soma zero. Isso significa que você, na maioria das vezes, vai trabalhar com informações incompletas, mas também significa que cada ação que os outros jogadores tomam dizem algo sobre o que eles sabem. E você deve usar essas informações para tomar as suas decisões de vida. Seja em sua vida pessoal ou profissional. E cooperar vai te dar vantagem acumulada no longo prazo, além de te deixar bem com o jogador com quem você cooperou.

E depois de ler tudo isso, se você ainda está aqui, deve estar se perguntando porque raios eu resolvi escrever sobre um tópico aparentemente aleatório como esse?

Pois bem. Esse assunto não tem nada de aleatório para mim. Muito ao contrário. Os argumentos que eu trouxe possuem uma base que é justamente meu foco de atuação hoje: comunicação (técnica), pensamento crítico e liderança (técnica).

Na nossa vida profissional, nós vamos ser colocados em situações que vão se parecer com o dilema dos prisioneiros, cujos cenários que coloquei aqui são exemplos. E nessas situações, saber se comunicar de maneira apropriada vai te dar uma vantagem de poder passar o valor daquilo que sabe com muito mais impacto. Além disso, você vai ter condições de analisar criticamente esses cenários para descobrir a ação que vai te trazer maximização de vantagem ou minimização de perdas. Finalmente, ter características de liderança pode te ajudar a influenciar outras pessoas de maneira positiva, pelo exemplo, para que adotem um caminho que tende a beneficiar a todos em conjunto, mesmo que individualmente eles não ganhem tanto quanto poderiam.

Pense nisso da próxima vez que alguém te pedir alguma ajuda. Pense nisso da próxima vez que estiver em um conflito com uma pessoa que tem um interesse contrário ao seu.

Em resumo: seja gentil e priorize colaborar. Priorize cooperar.

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Ulisses, baita reflexão. Curti como tu mostra que a vida não precisa ser essa disputa eterna de ganha-perde. Pensar em abundância e colaboração muda a forma de agir, porque a vitória de um pode abrir caminho pro avanço de todos.