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As Origens do Linux: De um Post Humilde Em Um Newsgroup à Revolução Open Source

newsgroup comp.os.minix, 1991

Para apreciar plenamente a beleza deste post, vamos entender o contexto do anúncio:

Um "newsgroup" é um fórum de discussão online parte do sistema Usenet, que precede os fóruns de internet modernos e as mídias sociais. Serviu como uma plataforma de comunicação vital para entusiastas da tecnologia, desenvolvedores e acadêmicos compartilharem ideias, códigos e notícias. A escolha de Torvalds pelo comp.os.minix para anunciar seu projeto não foi aleatória; era o ambiente perfeito para encontrar colaboradores, obter feedback e discutir ideias.

O MINIX, criado em 1987 por Andrew S. Tanenbaum, uma verdadeira lenda no ensino de ciência da computação, era um sistema operacional semelhante ao Unix, projetado para fins educacionais. Seu objetivo ao criar o MINIX era puramente educacional: oferecer aos estudantes um exemplo claro e conciso de como os sistemas operacionais funcionam, permitindo-lhes explorar o interior de um sistema operacional real, mas simplificado. Como ferramenta educacional, o MINIX é intencionalmente limitado em suas capacidades.

O Unix pode ser rastreado até 1969, quando foi concebido por Ken Thompson e Dennis Ritchie nos laboratórios Bell. Desenvolvido na linguagem de programação C, criada especificamente para esse fim, o Unix destacou-se por sua simplicidade, portabilidade e eficiência. Muito antes da popularização dos conceitos de software livre ou de código aberto, era comum distribuir software junto com seu código-fonte. Seguindo essa prática, a AT&T licenciou o Unix, permitindo que outras organizações desenvolvessem suas próprias versões do sistema operacional. Isso deu origem a variantes como o Solaris da Sun Microsystems e o AIX da IBM, adaptadas aos seus processadores. Essas versões de Unix rapidamente dominaram o ambiente corporativo.

O Linux foi concebido inicialmente por Linus com um objetivo prático e pessoal: rodar em seu próprio computador baseado na arquitetura x86, principalmente para poder jogar. Essa escolha, porém coincidiu com a ampla disponibilidade e popularidade dos processadores x86 nos PCs da época. Em um cenário onde o domínio do Unix era incontestável nos sistemas corporativos, a arquitetura x86 e o Windows dominaram o nascente mercado de computadores pessoais.

Quando Torvalds fez referência ao seu projeto não ser "grande e profissional como o GNU", toca em um ponto fundamental da cultura e da história do software. O Projeto "GNU's Not UNIX", iniciado por Richard Stallman no MIT com a missão ambiciosa de desenvolver um sistema operacional completamente livre e aberto, seguindo o padrão Unix, sem quaisquer restrições que impedissem a liberdade dos usuários de não apenas usar o software mas estudar, modificar, distribuir. A licença GPL, foi cuidadosamente desenhada para garantir que qualquer software derivado permanecesse livre, uma estratégia conhecida como "copyleft". Isso refletia a visão da comunidade do software livre, de um mundo em que todo software deveria ser totalmente acessível e modificável por qualquer pessoa.

Richard Stallman, fundador do Movimento Software Livre é uma figura a parte. Se você procurar por imagens dele, notará que Stallman aparece vestindo camisetas vermelhas em todas elas. Isso reflere a ideia Software Livre como uma utopia comunista digital.

Em contrapartida, o BSD, por ser um sistema derivado do código original do Unix da AT&T, adotou uma licença que permitia uma maior flexibilidade em termos de redistribuição, permitindo que o software fosse modificado e redistribuído em formas proprietárias. Essa abertura para a apropriação do software por corporações, para o lucro sem a obrigatoriedade de compartilhar melhorias, colocava o BSD em uma posição desvantajosa na visão purista de software livre promovida pelo Projeto GNU.

Um sistema operacional é essencialmente a 'mente' de um processador, fazendo a conexão entre máquina e humano. O kernel, o núcleo do sistema operacional, é abstração minima que virtualiza o hardware para software. Embora crucial, o kernel é apenas uma parte, pequena, de todo um sistema. O Projeto GNU havia desenvolvido muitos dos outros componentes necessários, como o GCC e o Bash. Não é coincidência que estas foram as primeiras ferramentas portadas para o Linux. Esses componentes são essenciais qualquer sistema operacional, fornecendo a infraestrutura básica para criar programas e interagir com o usúario. Ao criar a peça que faltava e distruibui-la sob a GPL, Linus deu vida ao GNU/Linux, termo que apenas recentemente caiu em deuso.

E o resto é historia... quem sabe me sento para escrever outro dia, enquanto isso vou apenas deixar este guia para quem quiser explorar.


  1. Primeiras Distribuições: Em 1993, Slackware e Debian estiveram entre as primeiras distribuições do Linux, combinando o kernel Linux com ferramentas e software GNU para criar um sistema operacional completo e acessivel a qualquer um. A história do Debian é particularmente notável, tendo sido criada, assim como o kernel Linux, por um estudante de graduação. Embora o Slackware possa não ter alcançado a popularidade do Debian, serviu como uma fundação para muitas outras distribuições significativas, incluindo o Red Hat e o Arch Linux.

  2. Ascensão e Popularidade: O final da década de 1990 e início dos anos 00s viu um crescimento exponencial na popularidade do Linux, graças à sua natureza de aberta, descentralziada e distruibuida. Como o fato de ser nascido e criado na Internet, fez o Linux deixar o BSD a comendo fumaça. Este fenômeno pode ser melhor compreendido através da leitura de "A Catedral e o Bazar" de Eric S. Raymond, um ensaio fundamental que explora o desenvolvimento colaborativo de software e como ele se aplica ao sucesso do Linux. Raymond contrasta os modelos de desenvolvimento "catedral" (top-down e controlado) com o "bazar" (colaborativo e aberto), argumentando que o modelo aberto e colaborativo do Linux foi chave para sua popularidade e sucesso.

  3. Tivoização e GPL v3: A prática de impedir modificações no software livre veio a tona com o caso TiVo, que levou à criação da GPL v3 que exige que qualquer produto que incorpore software licenciado sob ela, também seja completamente livre. O único motivo do sucesso do Linux, é que permaneceu sob a GPL v2. Essa escolha permitiu que o Linux fosse utilizado em servidores e em infraestruturas de negócios na web sem a necessidade de distribuir as modificações, uma flexibilidade que não é oferecida pela GPL v3. Para uma compreensão mais profunda dessa dinâmica e de como o Linux se tornou a infraestrutura de muitos negócios na web, leia a tese "Roads and Bridges: The Unseen Labor Behind Our Digital Infrastructure"

  4. Ubuntu e Red Hat: O avanço do Linux para além de entusiastas, deve muito às corporações, com a Cannonical e Red Hat sendo peças-chave nesse processo. O Ubuntu trouxe o Linux para o usuário doméstico, enquanto a Red Hat levou o sistema operacional para o ambiente corporativo. Estas empresas provaram que, embora o software aberto seja livre para qualquer um usar, é fundamental investimentos generosos e abordagens de mercado muito bem estruturadas para a adoção massiva. Conheça mais sobre a fascinante trajetória de Mark Shuttleworth e sua contribuição para o mundo do Linux, sua história é imperdível. Se você estiver inclinado a clicar em apenas um link, faça-o ser este: Leia a história de Mark Shuttleworth aqui.

  5. Inchaço e o Surgimento de Non-GNU/Linux: À medida que a distruibuições GNU/Linux se popularizaram, foram naturalmente ficando cada vez mais inchadas. Parte da comunidade percebeu isso como um desvio das raízes da filosofia Unix, que valoriza simplicidade acima de tudo. Esse cenário fomentou um renovado interesse pelos sistemas BSD e por novas distribuições Linux, não baseadas em GNU como Alpine, Void e Chimera.

  6. A Ironia do Software Livre: O Linux, inicialmente celebrado como o filho prodigio do software livre, viu seu ecossistema ser progressivamente dominado por grandes corporações. Ironicamente, a Microsoft - apenas um exemplo - tem lugar cativo no conselho da Linux Foudadion. Ironicamente, o BSD, que no passado parecia ter perdido a batalha da liberdade, emerge como um sistema operacional verdadeiramente livre, não cooptado por grandes entidades. Ironicamente, a licença MIT que dominou a Internet é essencialmente uma parafrase da licença BSD.

Um abraço e bons estudos!

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Excelente publicação, assim como todas as suas outras!

O Unix pode ser rastreado até 1969,... o Unix destacou-se por sua simplicidade, portabilidade e eficiência.

Portabilidade. Uma curiosidade: Unix foi projetado para computadores "pequenos". Na época, eram consideradas “pequenas” as máquinas que não precisavam de um cômodo inteiro com ar condicionado e que custavam menos de um milhão de dólares, e depois de um tempo para categorizar as máquinas que podiam ser erguidas por duas pessoas.

Muito antes da popularização dos conceitos de software livre ou de código aberto, era comum distribuir software junto com seu código-fonte. Seguindo essa prática, a AT&T licenciou o Unix, permitindo que outras organizações desenvolvessem suas próprias versões do sistema operacional.

Essa parte da história é bem interessante. Devido a reviravolta que teve. O que levou mais tarde ao movimento GNU, como bem mencionado.

O kernel, o núcleo do sistema operacional, é abstração minima entre hardware e software. Embora crucial, o kernel é apenas uma parte, pequena, de todo um sistema.

Vejo muitos pela internet com o entendimento errado sobre isso, a maioria aqui são programadores, e, assim como um motorista precisa conhecer o básico sobre mecânica, nós também precisamos saber, pelo menos o básico sobre isso. Falando em carro:

O Linux não é um sistema operacional completo, mas sim o seu núcleo (motor). Essa característica permite que o Linux seja adaptado para outras áreas além dos sistemas operacionais convencionais.

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Obrigado pelo comentário, Pedro! Você está correto em relação ao núcleo (motor) e agradeço por ressaltar esse ponto importante. Fiz uma pequena correção naquela parte do texto para torná-la mais precisa. Realmente, muitas pessoas não compreendem isso, porque é difícil de entender. O link que coloquei, que faz parte do livro "Operating Systems: Three Easy Pieces", resume bem a função do kernel, pelo menos eu acho, hehe. Também incluí um link em GNU/Linux que oferece uma boa explicação. Mas a imagem que você trouxe é ainda mais esclarecedora. Muito obrigado! E já que você é fã do Ubuntu, recomendo que não deixe de ler a história do Mark Shuttleworth.

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Este foi o post mais belo que já li sobre a história do Linux. Muito bem contado, inclusive foi graças essa ironia do Software Livre que o sistema operacional Hyperbola GNU-Linux/Libre está migrando para se tornar o HyperbolaBSD, um sistema operacional que usa um kernel baseado em openBSD, porém em blob's binários

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Obrigado! E olha que meu objetivo nem era escrever a história do Linux, mas apenas oferecer um mapa dela.

Muito interessante saber sobre o Hyperbola, eu não conhecia. Parece estar na mesma linha dessas distros que mencionei, Um software que se tornou uma parte fundamental das distros tradicionais e que ilustra esse fenômeno do "inchaço" é o systemd. Interessante notar que a Hyperbola optou por 'abolir' esse sistema, uma escolha que reflete a busca por simplicidade, tradicional do Unix. E é sempre incrível ver um projeto assim surgindo aqui no Brasil! Na história do Linux, não podemos deixar de mencionar o Kurumin, a lendária distro tupiniquim.

Sobre a migração para o BSD. Também vale mencionar que o Chimera, portou toda a userland do FreeBSD para rodar no kernel Linux, mas por questões técnicas. Tem também o Oasis, que acabei não citando, por não conhecer direito, mas que incorpora muitas ideias do BSD e é todo linkado estaticamente, talvez te interesse!