Precisamos conversar sobre Vibe Coding
Querido desenvolvedor, sim, você que está lendo este artigo durante a daily enquanto o Product Owner está dizendo sobre OKRs trimestrais. Precisamos conversar. Não, não sobre aquele bug em produção que você espera que ninguém descubra. Precisamos conversar sobre algo muito mais incômodo: a morte lenta, dolorosa e inevitável da programação como conhecemos.
E sim, eu sei que você já ouviu falar sobre "vibe coding", provavelmente no xis ou aqui mesmo. Mas antes que você feche esta aba com um escândalo de "ai vem mais um alarmista de LinkedIn", deixe-me apresentar alguns números.
A Chuva de Dados que Ninguém Pediu
Vamos começar com o básico: 90% dos desenvolvedores usam ferramentas de IA diariamente. Não semanalmente, não "quando lembram", mas todo santo dia. Calma que isso é só o começo: 41% de todo código global, isso mesmo, QUARENTA E UM por cento é agora (dezembro de 2025) gerado por IA. Mas é agora que vem a pedrada, 20% (sim, 1 em cada 5) das startups desta última turma do Y Combinator têm codebases gerados inteiramente por IA. Deixe isso afundar...
A Verdade Sobre Produtividade
Aqui é onde as coisas ficam interessantes, Yegor Denisov-Blanch e sua equipe em Stanford mergulharam nos repositórios de mais de 100.000 desenvolvedores. Eles não olharam para o que as pessoas diziam que faziam, mas para o que elas comitavam. O resultado? A IA aumenta a produtividade? Sim. E o ganho médio geral é de 15% a 20%. Mas calma. Antes de você fechar essa aba e ir dizer pro seu chefe que a IA "só ajuda um pouquinho", precisamos falar sobre o desvio padrão. Porque, como qualquer pessoa que já tentou atravessar um rio com profundidade média de 1 metro sabe, a média é uma mentira.
Os dados revelam algo muito mais estranho e fascinante. De um lado do espectro, temos equipes que tocaram o divino: aumentos de produtividade na mítica barreira do "10x". Sim, eles existem. Não são lendas urbanas do LinkedIn. São desenvolvedores que, armados com LLMs, se tornaram exércitos de uma pessoa só. Do outro lado, no entanto, temos o abismo. Equipes cuja produtividade não apenas estagnou, mas caiu.
O que diabos está acontecendo aqui?
As equipes "10x" não são formadas por mutantes ou mentirosos. São equipes que já possuíam o que chamamos de "maturidade de engenharia". Elas tinham ampla cobertura de testes que rodavam em segundos. Tinham integração que bloqueava código ruim automaticamente. O software era desacoplado com interfaces bem projetadas e bem documentadas. Para eles, a IA foi um acelerador de partículas.
Já para as equipes do "abismo"? Monólitos macorrônicos, onde "testar" significa "clicar manualmente na tela de login e rezar", a IA foi apenas um canhão de lixo. Ela gerou código plausível, mas sutilmente quebrado, que passou despercebido porque não havia redes de segurança. O resultado foi dias perdidos em debugging, retrabalho e o tipo de frustração existencial que te faz questionar suas escolhas de carreira.
É o Fim Do Código, Não da Engenharia
A morte do "código manual" não significa o fim da engenharia. Pelo contrário, ela sobe a barra. Estamos deixando de ser pedreiros digitais, assentando tijolo por tijolo, para nos tornarmos arquitetos e engenheiros. O código em si está se tornando uma commodity barata e abundante. A confiança nesse código, porém, nunca foi tão escassa e valiosa.
Simon Willison, sim, a lenda, aquele que você segue no xis, mas nunca leu os posts completos, propôs o Vibe Engineering. Se o Vibe Coding é coisa de guru de marketing que criou um app completo durante o almoço e ainda postou nas redes sobre "democratização dos APPs". Vibe Engineering é a resposta profissional para o fato de que agora, temos que gerenciar um exército de prodígios que trabalham à centanas de tokens por segundo, mas que ocasionalmente inventam coisas que só existem apenas na imaginação fértil de uma rede neural. E aqui está a regra de ouro da nossa nova era:
Quanto mais o código é gerado automaticamente, mais rigorosa deve ser a infraestrutura que o cerca.
O Paradoxo da Abundância Digital
Deixe eu traduzir isso para o idioma que você entende - aquele que usa durante as entrevistas técnicas quando quer parecer inteligente:
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Testes Automatizados: Não estou falando daqueles testes que você escreve depois que o código já está em produção para "aumentar a cobertura". Estou falando de uma suíte tão robusta que captura quaisquer regressões sutis.
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Integração Contínua (CI): Seu pipeline precisa ser mais chato que aquele colega que sempre reclama sobre nome de variáveis em code review. Se o código gerado não passa no linter, na análise estática, nos testes de regressão e nos testes de integração ele não existe. Simples assim.
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Documentação: Ironicamente a IA precisa de mais documentação do que o programador médio, não menos. Para um agente de IA entender seu contexto e não alucinar soluções que envolvem bibliotecas imaginárias, ele precisa ler especificações claras. Escrever docs virou, efetivamente, "programar". Você não é mais um programador, você é só um cara que escreve documentação técnica para convencer uma máquina a não viajar na batatinha.
A Transformação que Ninguém Pediu
[Ou: Parabéns, você foi promovido. Não, não tem aumento.]
Como se não bastasse ter que escrever documentação, aceite outro um fato incômodo: você agora é gerente de estagiários digitais. Você é o cara que gerencia código que não escreveu, escrito por uma entidade que não existe, para resolver problemas que você definiu mal porque estava com pressa de almoçar.
Você não é mais pago para escrever código. Você é pago para ser responsável por código que não escreveu. É isso. Simples. Brutal. Você não é mais um programador... Você agora é um garantidor.
Garante que:
- O código funciona como prometido em todos os casos.
- Os testes realmente testam o que deveriam.
- O deploy vai funcionar e a produção não vai cair.
Porque se você ainda acha que seu valor está nas linhas de código que escreve você está competindo com uma máquina que escreve 800 linhas por minuto e atingiu o nível de medalhista de ouro na olimpíadas de informática. Competir em "codar" acabou. A máquina venceu. A única coisa que resta para nós humanos é saber o que pedir e, crucialmente, julgar se o que a máquina entregou presta ou não. A máquina nunca vai ser responsabilizada. Você vai.
A Última Verdade que Você Precisa Ouvir Hoje
O código é um passivo. Sempre foi, nós só estávamos ocupados demais digitando para perceber. Cada linha que você escreve é uma linha que precisa ser lida, testada, debugada e mantida até o fim dos tempos. A "morte do código" não é o apocalipse; é a libertação.
O futuro pertence aos Vibe Engineers, os engenheiros que constroem as barreiras de contenção onde a IA pode correr solta sem quebrar a loja de cristais. Então, na próxima vez que alguém vier com o papo de "Vibe Coding", não revire os olhos. Sorria. E vá checar se o seu pipeline de CI está bloqueando os commits que não passaram nos teste ou análise estática.
Um abraço e bons estudos.