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O que a quase falência da LEGO ensina sobre projetos de software

Você sabia que a maior fabricante de brinquedos do mundo, com recorde de vendas de 10,8 bilhões de dólares em 2024, quase faliu? Quedas bruscas nas vendas, dívidas milionárias e uma série de decisões desconectadas colocaram a empresa em rota de colisão.

A empresa conseguiu se reerguer voltando ao básico, ouvindo sua comunidade e focando no que realmente importava. O que essa história nos ensina em relação a desenvolvimento de software?


Sobre a LEGO

Eu acredito que, para a grande maioria, a LEGO dispensa apresentações, mas vamos nos aprofundar um pouco sobre a sua história.

A LEGO é uma linha de brinquedos de construção fabricada pelo The LEGO Group, uma empresa privada com sede em Billund, na Dinamarca. Em 2021, ela se consolidou como a maior empresa de brinquedos do mundo.

Seu principal produto consiste em blocos de plástico interligáveis de diversas cores, acompanhados de engrenagens, minifiguras e outras peças, que podem ser montadas e conectadas de múltiplas formas para criar veículos, edifícios, robôs e o que mais a imaginação permitir. Tudo pode ser desmontado e reaproveitado em novas construções. Em julho de 2015, já haviam sido produzidas mais de 600 bilhões de peças LEGO.

A história da empresa começou na década de 1930 como um pequeno negócio familiar. O nome “LEGO” surgiu da junção das palavras dinamarquesas leg godt, que significam “brincar bem”, escolhidas por seu criador, Ole Kirk Christiansen. A marca alcançou sucesso internacional na década de 1960.

Seus produtos estão presentes em instituições de ensino do mundo todo — da educação infantil ao ensino superior — com linhas como LEGO Technic e LEGO Mindstorms, que permitem a alunos se aprofundarem em áreas como design, robótica e mecatrônica.

Ao longo dos anos, a LEGO expandiu sua atuação além dos blocos, com presença em jogos eletrônicos — quem não lembra do clássico LEGO Star Wars para PlayStation 2? —, cinema e televisão, com produções de sucesso como Uma Aventura LEGO e LEGO Batman: O Filme.


Como a LEGO quase faliu

Em 2003, a LEGO estava à beira do colapso. As vendas haviam despencado 30% em apenas dois anos. A empresa acumulava uma dívida de 800 milhões de dólares, perdia mais de 1 milhão de dólares por dia e enfrentava dificuldades para se manter relevante em um mundo onde as crianças trocavam brinquedos físicos por videogames. Mas o que levou a esse cenário?

No início dos anos 2000, assustada com as transformações do mercado, a LEGO passou a investir em soluções imediatistas e mal conectadas à sua essência: parques temáticos, jogos eletrônicos e até uma linha de roupas — que logo foi descontinuada. Além disso, os kits se tornaram excessivamente complexos, afastando as crianças menores. O resultado foi uma queda acentuada nas vendas.

Em 2004, o novo CEO, Jørgen Vig Knudstorp, implementou uma série de mudanças para reverter a situação: cortou 30% das linhas de produtos — incluindo temas impopulares —, reposicionou o bloco como o centro da brincadeira e firmou parcerias estratégicas com franquias licenciadas como Star Wars e Harry Potter, que ajudaram a revitalizar a marca.

Outro movimento importante veio em 2008, com o lançamento da plataforma LEGO Ideas, onde fãs podem submeter projetos de kits. Ao atingir 10 mil votos, um projeto pode se tornar um conjunto oficial. A iniciativa fortaleceu a relação com a comunidade e aumentou significativamente o engajamento com a marca.

Enquanto muitas empresas viam a tecnologia como ameaça, a LEGO enxergou uma oportunidade: uniu o físico e o digital com o lançamento de filmes, como Uma Aventura LEGO (2014), que arrecadou 469 milhões de dólares, e jogos de videogame baseados em franquias populares como Star Wars, Indiana Jones e Harry Potter.


O que isso nos ensina em desenvolvimento de software?

A crise da LEGO não foi resultado de uma única decisão equivocada, mas do acúmulo de iniciativas desconectadas, inovação sem direção clara e afastamento do valor central do produto. Essa trajetória é bastante familiar no universo do desenvolvimento de software.

Times técnicos, especialmente em startups ou empresas em crescimento, muitas vezes se perdem tentando agradar todos os stakeholders, adicionam funcionalidades demais (o chamado "overengineering"), adotam novas tecnologias sem um plano claro ou perdem o foco do propósito original do produto. O resultado: código difícil de manter, usuários confusos, produto inchado e equipes sobrecarregadas.

A decisão do CEO de “voltar ao bloco” reflete a mentalidade de retornar ao essencial — o equivalente, no mundo do software, a um MVP (Minimum Viable Product). Em momentos de crise, pode ser necessário pausar, eliminar o que não é fundamental, escutar os usuários e entregar algo pequeno, funcional e com clareza de propósito.

A plataforma LEGO Ideas pode ser vista como um paralelo ao movimento open source ou à participação ativa da comunidade em roadmaps públicos. Dar voz aos usuários e incorporar suas contribuições torna o produto mais relevante e fortalece o vínculo com a base.

Por fim, a LEGO poderia ter resistido à transformação digital e apostado apenas nos brinquedos físicos, tentando preservar seu modelo tradicional a todo custo. Em vez disso, escolheu integrar novas mídias — como filmes, jogos e plataformas digitais — sem abandonar o que já funcionava. Essa decisão criou experiências complementares, ampliou o alcance da marca e mostrou que inovação não precisa significar ruptura total.

Em desenvolvimento de software, essa abordagem ensina que nem sempre é necessário reescrever tudo do zero. Muitas vezes, a melhor solução está em integrar o que já existe com o que há de novo, aproveitando o melhor dos dois mundos.


Você sabia?

  • O primeiro parque temático da marca, o LEGOLAND Billund, foi inaugurado em 1968 na cidade onde a empresa nasceu. A construção da “cidade LEGO” utilizou mais de 55 milhões de peças.

  • Em 2009, a LEGO lançou, em parceria com a Alcatel, um celular desmontável, cujo visual podia ser alterado trocando-se as partes externas.

  • Em 2018, a LEGO criou uma réplica em tamanho real do Bugatti Chiron usando mais de 1 milhão de peças. O carro incluía um motor funcional feito com 2.304 motores LEGO, 2.106 eixos e 4.032 engrenagens, alcançando 20 km/h com 5,3 cavalos de potência.

  • A maior estrutura já construída com peças LEGO tem 35,05 metros de altura. Foi erguida em Milão, em 2015, pela LEGO Itália, utilizando cerca de 550 mil blocos.

  • A LEGO é a maior fabricante de pneus do mundo — mesmo que em miniatura —, produzindo cerca de 306 milhões de unidades por ano, número que supera marcas como Bridgestone e Michelin. O recorde foi alcançado em 2010, com 381 milhões de pneus produzidos.

  • Por decisão da empresa, a LEGO não produz conjuntos militares, evitando incentivar o imaginário de guerra nas brincadeiras infantis.

  • No Brasil, existe apenas uma loja oficial da LEGO, localizada no shopping Cidade Jardim, em São Paulo.


Referências

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Seu post bateu fundo aqui. Para ser sincero, na minha cabeça a LEGO ainda estava à beira da falência.

Eu não conhecia os detalhes dessa história de reconstrução e fiquei muito feliz em saber que hoje eles são a maior fabricante de brinquedos do mundo. E mais contente ainda por saber que a virada veio.

Fui uma daquelas crianças que, desde que se entende por gente, vivia com as mãos em um balde de LEGO. Era exatamente como você descreveu: primeiro seguia as instruções da caixa, mas logo as peças iam todas para um baú gigante, onde a única regra era a criatividade.

Mais tarde, minha porta de entrada para a programação foi justamente fazendo robôs de LEGO, usando o LabVIEW no Mindstorms lá pelos fins da década de 90.

Depois disso, a vida seguiu, e uma das minhas últimas lembranças da marca era justamente essa: a de que a empresa estava quebrando, perdendo a batalha para os videogames.

Seu texto me trouxe ótimas memórias e, de quebra, atualizou uma percepção que estava parada no tempo.

Obrigado por isso, e agora partiu comprar LEGO para as crianças aqui de casa! Agora mesmo.

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É um bom brinquedo para estimular criatividade em crianças. Mas imagino que seja apenas uma questão de tempo até ser substituído por uma versão em realidade virtual (tipo CAD/CAM), talvez associado a algum game ou impressora 3D. Depois da bússola no iPhone, não duvido de mais nada.

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Eu acho que a LEGO pode acompanhar esses avanços e fazer soluções próprias para se manter no mercado. Depende da gestão, na minha visão 🤝