Como ler 300 livros arruinou a minha vida (Parte 1)
Tudo começa no final de 2024.
Eu estava entrando em um relacionamento novo. Cheio de expectativa. Criando aquele roteiro mental de como as coisas iam dar certo… ou pelo menos era o que eu queria acreditar.
Mas um dia, durante uma corrida matinal, no meio da endorfina e da respiração acelerada, me veio uma lembrança simples e incômoda: os livros que eu já tinha lido.
Fiquei lembrando de uma frase que sempre ficou na minha cabeça:
"Ler é pensar com uma cabeça alheia, em lugar da própria."
(Salve engano, essa é do Schopenhauer.)
Naquele momento, enquanto corria, só consegui pensar em uma coisa:
"Como eu posso ler mais livros?"
Porque, gostemos ou não, o tempo é finito.
E se tem uma coisa que os livros me ensinaram, é que o pior erro é desperdiçar esse tempo.
Foi ali que a ideia maluca nasceu:
Ler o máximo possível no menor tempo possível.
Mentalmente, estabeleci uma meta: 150 livros em 6 meses.
Mas, como sempre faço… dobrei a meta antes mesmo de começar:
300 livros. Menos de 6 meses.
Defini o foco:
Livros curtos, objetivos, sem enrolação.
Priorizei os temas que mais me consumiam na época (e que ainda me consomem até hoje):
- Filosofia
- Economia
- Ciências
- Autoajuda
- História
Entraram alguns livros de ficção no meio, claro… Mas foram poucos. Menos de 15, se eu contar por alto.
O critério principal era simples: até 150 páginas.
(Ok… confesso que alguns tinham 200, até 300 páginas… mas foram exceções que eu fiz questão de encaixar.)
Comecei o garimpo:
Revirei listas antigas. Resgatei recomendações da época do ensino médio (quando eu era mais focado em ficção). Vasculhei bibliotecas digitais, fóruns, vídeos de YouTube, listas de "livros obrigatórios antes de morrer", qualquer coisa que pudesse me servir.
Montei uma lista mental…
Depois passei pro bloco de notas…
Depois virou uma planilha…
E quando percebi… já estava dentro da máquina.
Só que pra realizar esse objetivo, eu sabia que teria que desligar algumas coisas da vida.
A primeira foi o relacionamento que mencionei no começo.
Nas primeiras duas semanas, segui uma rotina insana:
- Acordava às 3 da manhã.
- Comia uma fruta.
- Lia entre 70 e 100 páginas até às 5 da manhã (hora de me arrumar pro trabalho).
- Saía às 5:30, começava o trabalho às 7.
- Saía do trabalho às 17:30, chegava em casa por volta de 18:10.
- Comia alguma coisa rápida.
- Programava até 19:30 (não conseguia abrir mão disso… pelo menos nas primeiras semanas).
- Depois disso… mais leitura até 1:30 da manhã.
- Dormia menos de 2 horas e meia.
Fiquei nessa rotina só as duas primeiras semanas.
Nesse momento, percebi: até a programação… e até o sono… iam ter que ser cortados pela metade, se eu realmente quisesse concluir o objetivo.
Recalculei tudo.
Tracei de novo o destino.
Listei o que queria pra terceira semana.
E fui.
Eu não sou um gênio.
Não tenho superpoderes.
E muito menos posso me dar ao luxo de parar de trabalhar agora.
Mas mesmo assim… eu defini uma meta.
E falei pra mim mesmo:
“Vou fazer essa droga. Custe o que custar.”
Se eu entrasse em coma depois…
Que fosse.
Pelo menos eu teria cumprido o objetivo.
Isso aqui não é um papo motivacional de coach.
Nem uma história de superação bonita pra ganhar like no Instagram.
É só um relato cru.
De algo que eu já estava há muito tempo sentindo falta de escrever.
Depois dessa breve tangente…
(Como diria Haruki Murakami, mestre em começar uma história falando de uma coisa e terminar falando de outra completamente diferente…)
… vamos voltar ao texto.
Talvez você esteja achando que o fato de eu terminar o relacionamento foi o grande impacto que a leitura causou na minha vida.
Pra surpresa de zero pessoas… não foi.
(rsrs)
A real é que aquilo já estava com data de validade antes mesmo de começar.
O fim foi só um efeito colateral inevitável.
O problema real… veio depois.
Conforme cada livro ia sendo lido, processado e digerido pela minha mente… que só pensava:
"Mais um. Só mais um. Só mais um…"
Eu comecei a me sentir tipo o Desmond Doss em “Até o Último Homem”, naquele momento em que ele repete exaustivamente:
"Só mais um… só mais um…"
A diferença é que eu não estava salvando ninguém de um campo de batalha.
Só estava afundado num campo de páginas, parágrafos e ideias que não me deixavam desligar.
Era livro atrás de livro.
Sem pausa. Sem descanso. Sem vida social.
Dormindo mal. Me alimentando mal. Parando de responder mensagens.
Virando um zumbi funcional.
E o mais doido?
Eu gostava da sensação.
Era como se, pela primeira vez, eu estivesse realmente no controle de alguma coisa.
Mas a conta… ia chegar.
(E ela chegou. Feia.)
Sempre fui obcecado.
Quando eu coloco algo na cabeça… quando eu defino um objetivo…
Não importa o quê, nem a que custo… eu vou fazer acontecer.
(E uso isso muito no meu trabalho atual, aliás.)
No meio dessa maratona maluca, comecei a me achar o cara.
Sério.
Comecei a olhar pro espelho e pensar:
"Quem é o jovem de apenas 23 anos que faz um negócio desses? Quem?"
O ego… lá no teto.
Autoestima… transbordando.
Foi aí que veio o tombo.
De madrugada. Olheiras batendo no queixo.
Café frio na mesa. O mundo lá fora continuando como se nada estivesse acontecendo.
E eu… ali… achando que estava vencendo o jogo.
Foi quando abri aquele livro do Sêneca:
"Sobre a Brevidade da Vida."
Logo nas primeiras páginas, levei o tapa:
"Não é que tenhamos pouco tempo… mas que desperdiçamos muito dele."
Ali, na hora… o chão abriu.
Porque, no fundo, eu sabia:
Eu estava lendo desesperadamente… mas fugindo de várias coisas.
Tomando livros como anestesia.
E, de repente… aquele orgulho besta de "ler 300 livros" virou só mais um sinal claro de que eu não era nada além de um grão de areia tentando desesperadamente parecer montanha.
E o mais louco?
Eu gostei da sensação de ter sido colocado no meu devido lugar.
A gente se superestima demais.
Isso é quase inato, instintivo.
A gente cria essa ilusão de que está no controle… que é especial… que é exceção.
Mas às vezes, a gente precisa levar um tapa na cara pra lembrar que…
não é.
Foi aí que eu percebi de verdade como ler 300 livros arruinou a minha vida.
Ou melhor…
Arruinou a minha antiga vida.
Porque depois de tudo aquilo…
Depois de cada página virada…
Depois de cada madrugada mal dormida…
Eu percebi que eu não era nada.
Só mais um entre bilhões.
Mais um tentando correr atrás de algo que nem sabia exatamente o que era.
Mais um achando que tinha todas as respostas… até perceber que nem as perguntas estavam certas.
E talvez…
Talvez esse seja o maior presente disfarçado de desgraça que a leitura pode te dar.
Mas isso…
É papo pra outro post.