10 anos de código legado
quando o sonho de programar se transforma em manutenção
Durante muito tempo, eu achei que a frustração que sentia era apenas uma fase.
Acordar, ligar o notebook, revisar tarefas pendentes, apagar incêndios, ajustar código que ninguém mais quer tocar. Repetir. Por anos. Uma década. No papel, sou sênior. Na prática, sou suporte de luxo. E não é exagero.
Ganhar 15 mil reais por mês como desenvolvedor deveria ser uma benção. E sim, financeiramente, não reclamo. Mas viver uma rotina onde aprender se torna um luxo raro, onde a inovação é uma ameaça ao "sistema que funciona", e onde cada tentativa de renovação é sufocada por uma cultura de manutenção eterna… isso cobra um preço.
O que significa "ser programador" depois de 10 anos?
Eu entrei na tecnologia porque amava criar. Resolver problemas. Inventar soluções. Descobrir coisas novas. Mas trabalhar por uma década preso em sistemas antigos, sem espaço para aplicar novos conhecimentos, destrói essa chama aos poucos.
Toda vez que aprendo algo novo — seja Svelte, Rust, Astro, Remix ou até mesmo práticas modernas de arquitetura — sinto que estou traindo meu tempo livre. Porque sei que, no dia seguinte, nada disso será útil. Voltarei ao velho monólito, à estrutura engessada, aos scripts improvisados de 2013 que sustentam sistemas que não podem parar.
Não se trata de "não querer trabalhar". Eu trabalho. E muito. Mas o que faço hoje poderia, e deveria, estar nas mãos de um time de suporte técnico ou manutenção júnior. Não é soberba, é constatação. E sei que muitos colegas de nível sênior estão exatamente no mesmo barco: subaproveitados, desgastados, frustrados.
A cultura da estagnação
O que mais me consome não é o sistema legado em si. É a decisão institucional de permanecer no passado.
- “Se está funcionando, pra que mudar?”
- “Migrar é arriscado demais.”
- “Temos coisas mais urgentes.”
Essas frases viraram mantras em quase todas as empresas pelas quais passei. O legado não é só técnico — é cultural. A inovação virou ameaça. A renovação virou custo. E o resultado? Times inteiros girando em falso, com devs cada vez mais desmotivados.
Aprender virou resistência
Hoje, quando estudo algo novo, é por teimosia. Não porque me pediram. Não porque vou aplicar no trabalho. Mas porque, se eu não estudar por mim mesmo, vou afundar nesse ciclo de repetições eternas.
Estudo como quem planta sementes em terreno árido, torcendo para um dia poder colher algo. Talvez em outro lugar. Talvez em outro tempo.
Enquanto isso, sigo. Fazendo tarefas repetitivas, caçando bugs em sistemas que deveriam ser reescritos do zero, e respondendo perguntas que não precisariam existir se houvesse documentação ou treinamento básico para os times certos.
E agora?
Não tenho respostas. Esse texto não é um manifesto, nem uma carta de demissão. É só um desabafo, um reflexo de algo que sei que muitos outros também vivem, mas que pouca gente verbaliza.
Ser programador não deveria ser só sobreviver entre sistemas obsoletos. Deveria ser criar, evoluir, melhorar o mundo — mesmo que só um pouquinho — com cada linha de código.
Talvez esse texto te encontre na mesma situação. E, se encontrar, só quero dizer: você não está sozinho. Resistir à estagnação já é um ato de coragem.
Mesmo que ninguém veja.