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Por que estou criando um sistema operacional do zero ?

“O trabalho nos afasta de três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade.”
— Voltaire, Cândido ou o Otimismo

Voltaire escreveu isso com ironia, mas talvez sem querer tenha tocado numa verdade. Porque há dias em que o trabalho é só o que temos pra nos manter de pé. Em que acordamos já no piloto automático: abrimos o editor de código, respondemos mensagens, entregamos uma API, modelamos um banco, construímos mais um sistema de cadastro. E tudo isso por quê?
Porque é preciso. Porque é o que paga o aluguel, compra comida, sustenta planos. Porque, no fim das contas, a sobrevivência ainda vem antes da criação.

Eu não sou diferente. Não sou entusiasta de landing pages nem me emociono ao integrar gateways de pagamento. Mas faço. Faço porque entendo o jogo. Porque sei que liberdade criativa é um luxo que, às vezes, só vem quando você já passou pelos labirintos da necessidade.

Mas entre a obrigação e o prazer, existe um abismo. E no fundo desse abismo, enterrado sob camadas de compromissos e rotinas, mora o GIZos — meu sistema operacional, criado do zero, em Zig.

Um projeto que, à primeira vista, não parece útil. Não resolve problemas comerciais. Não tem ROI. Não vai virar startup. Não vai escalar.
Mas ele é meu. É a minha forma de dizer: "eu existo, penso e crio por vontade própria."

Na era da produtividade excessiva, em que todo esforço precisa ter um motivo claro e um lucro visível, criar algo só porque você quer — sem esperar validação, sem pensar em mercado — é um ato quase subversivo.
GIZos é isso. Um manifesto contra a pressa. Contra a superficialidade. Contra a ideia de que tudo precisa servir pra alguma coisa além de nos alimentar por dentro.

Eu não quero o melhor carro. Não sonho com um loft com vista pra cidade nem com um crachá de CEO.
Quero entender como o computador respira. Quero saber o que acontece antes do sistema iniciar. Quero ver os bits se movendo, a memória sendo mapeada, o teclado enviando interrupções. Quero tocar a máquina com as próprias mãos.

Criar o GIZos é o meu modo de cultivar o jardim — como sugere Voltaire no final de Cândido. Um pequeno espaço só meu, regado com tempo, paciência e curiosidade.
Ali, posso falhar sem culpa. Aprender sem pressão. Evoluir sem metas falsas.

Sim, eu faço o que o mercado pede. Sim, aceito os freelas. Sim, entrego os sistemas que me contratam pra fazer.
Mas guardo as madrugadas — as horas silenciosas — pra aquilo que me lembra por que comecei a programar. Pra aquilo que não tem chefe, não tem cliente, não tem prazo. Só tem alma.

Porque às vezes a gente vive tanto no automático que esquece de algo simples: nosso tempo é finito.
E se tudo o que eu fizer nesta vida for repetir tarefas, cumprir briefings e seguir tendências, terei desperdiçado a chance mais preciosa que alguém pode ter: a de criar algo verdadeiro.

Se você também sente que seu trabalho é só o caminho — e não o destino — talvez você também tenha um “GIZos” aí dentro, esperando pra florescer.

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Bonito o texto. Mas sabe o que me inquieta?

É que, no fundo, parece que a gente ainda precisa justificar a criação inútil, como se só pudéssemos existir fora da lógica do capital pedindo desculpas por isso. "Ah, não tem ROI, mas me faz bem". "Não vira startup, mas é meu". É quase como dizer: “me deixa brincar, vai, prometo que entrego o backlog amanhã.”

E aí me pergunto: quando foi que ser criador virou um ato de resistência?

Quando foi que o simples desejo de mergulhar num sistema operacional próprio passou a soar como rebeldia, como se criar algo só por curiosidade fosse um luxo reservado aos que “já fizeram por merecer”?

Talvez o problema não esteja na rotina, mas na rendição.

Porque não é o mercado que nos prende — somos nós que, de tanto nos curvarmos, esquecemos que sabemos levantar.

Afinal, quantos “GIZos” foram enterrados vivos porque o programador decidiu que era mais seguro ser funcionário do que criador?

Você cultiva seu jardim à noite. Lindo. Mas será que não está apenas regando o que o mundo deixou secar durante o dia?

E se, ao invés de aceitar o jogo, a gente criasse outro?

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Seu comentário me atravessou. Porque é exatamente isso: a criação “inútil” hoje precisa de justificativa, quase como um pedido de desculpas ao sistema. Como se o simples desejo de explorar algo pelo prazer de entender, criar, existir… fosse uma afronta.

A gente aprendeu a pedir licença pra ser livre. E isso me inquieta também.

O GIZos não é sobre mercado, é sobre memória. Sobre não esquecer que ainda somos capazes de criar com intenção, com profundidade — e não apenas com foco em entrega. É sobre não deixar que a rotina nos anestesie a ponto de acreditarmos que viver é sinônimo de funcionar.

Talvez resistir hoje seja isso mesmo: cultivar o jardim quando todo o resto insiste em virar cimento.
Obrigado por esse comentário. De verdade. É esse tipo de troca que me lembra que não estou cavando sozinho.

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Isso aí... Eu comecei a fazer um joguinho e já bolei regras e tudo o mais. Porém parece que tô perdendo tempo, sei lá... Da uma impressão de que eu não deveria estar fazendo isso...

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Cara, se joga nessa parada! Essa dúvida de “estou perdendo tempo” é clássica, mas a real é que você tá se divertindo, então não tem erro. Quem disse que criar algo tem que ser sempre com um objetivo prático? Se o joguinho te anima, te faz sair da rotina, te faz dar umas risadas — já vale mais que qualquer “resultado” que o mercado espere!

Esquece um pouco a pressão de ter que “fazer algo útil” e só se joga no processo. Se divertir é uma das melhores formas de aprender e crescer sem nem perceber. E no fim das contas, até se esse joguinho não virar o próximo blockbuster, a experiência vai te ensinar muito.

Então, deixa de lado a dúvida e bora se divertir criando! O que importa é que você está fazendo algo que te dá prazer. Isso é o que vai valer a pena, sempre!

Obrigado por comentar.

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Vocês todos me deixam emocionado! 🥹

Quando tinha 13 anos aprendi a programar em Batch-script, e vivia fazendo limpador de arquivos inúteis de windows. Mas esse foi o lugar que me despetou o sentimento de fazer algo porque sim.
Tinha fórum russo que o cara criava jogo no terminal do windows, com música e tudo. E eu consumia tudo disso e comecei a criar as minhas coisas também.

E aprendi várias linguagens durante minha vida e sempre a mesma coisa, porque tu ta fazendo isso? já tem vários por ai...
E sempre respondi, porque dá pra fazer e é massa. Viravam o rosto.

Mas isso nunca fugiu de mim, esse sentimento de porque SIM! porque eu consigo fazer.

Hoje em dia é natural, só é Hello World se for um Servidor HTTP. Isso é triste!
Vou compartilhar o link de um monte de projeto inútil que fiz durante minha vida e que fiz questão de salvar no github.

https://github.com/Ddiidev/ParallelsKix (Lang: Kixtart - Adiciono um modo de executar coisas em paralelo em uma linguagem single-thread)
https://github.com/Ddiidev/PrintToText (Lang: C# - OCR da tela, isso foi pra um FIM mesmo, eu precisava)
https://github.com/Ddiidev/AgentSchedule (Lang: Euphoria - Um schedule para uma linguagem que tem threads cooperativas)
https://github.com/Ddiidev/input (Lang: Euphoria - lib de input() melhor que o nativo a da linguagem)
https://github.com/Ddiidev/InstallBatchApps (Lang: Euphoria - Esse foi pra um FIM de resolver problema na empresa)
https://github.com/Ddiidev/rle (Lang: KiXtart - Lib pra compressão de texto, estava estudando sobre)
https://github.com/Ddiidev/FBinary (Lang: KiXtart - Um forma de manipular dados binário em uma linguagem sem suporte)
https://github.com/Ddiidev/tool (Lang: FreeBasic - Ferramenta que fiz pra ajudar um cara de um fórum)
https://github.com/Ddiidev/Batch-Library (Lang: Batch-script - Um biblioteca que tinha um monte de ferramentinhas)
https://github.com/Ddiidev/Properties-executable-file (Lang: JS - Pegar versão de executável)
https://github.com/Ddiidev/Storage-BabyDicionario (Lang: V - Storage do meu jeito pra um produto que não lancei)

Olha o tanto de coisa que ninguém nem sabe que existe, mas pode ter certeza que amei fazer cada um e não voltaria no tempo.

Obrigado por seu post!

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Cara, que resposta linda. De verdade.
Dá pra sentir em cada linha o quanto você viveu essa jornada — não como um currículo, mas como uma forma de existir no mundo.
Esses seus projetos “inúteis” dizem mais sobre o que é programar de verdade do que mil artigos sobre frameworks da moda. Eles são puro amor à criação, puro “porque sim”.

Você me lembrou de uma frase que gosto muito:
“O essencial é invisível aos olhos” — e cara, esses repositórios são o essencial. Eles carregam alma, curiosidade, vontade de mexer nas engrenagens mesmo quando ninguém tá olhando.

Obrigado por compartilhar isso. De verdade.
É esse tipo de comentário que me lembra que não tô sozinho nessa loucura bonita de criar por criar.

Tamo junto, mestre. 🙌

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A grande arte é feita por paixão.
Algo grita dentro do artista e ele precisa expressar o sentimento.
A arte pode ser um quadro, uma música ou um projeto do wosniak.
A recompensa financeira é uma consequência.

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É exatamente isso.
Quando algo grita por dentro, não dá pra ignorar — precisa sair, precisa virar forma, código, cor, som... o que for.
E às vezes, só de criar, já é a recompensa. O resto é bônus.

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Uhu, essa publicação apareceu para mim no melhor momento, você colocou bem a luz no problema que tem me consumido, estou passando pela pior etapa da minha vida e ate tentei tirar ela com por achar que passaria por essa existência sem criar nada útil, mas esse eh o problema porque precisa ter mais utilidade do que ser meu.

Ainda sim o ate de criar me parece estranho, deveria ser natural afinal e o que levou nossa espécie a onde esta hoje, mas eh como se eu tivesse me castrado intelectualmente. Seu testo despertou um pouco me lado criador, eu agradeço e não vou deixar isso morrer de novo

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Fico feliz demais de saber que esse texto te encontrou num momento importante.
E agradeço muito a coragem de compartilhar isso aqui.

Eu entendo esse vazio que você tá descrevendo. Esse sentimento de "nada do que eu faço importa" é uma sombra que às vezes paira sobre a gente sem aviso. E a verdade é que, no fundo, nada precisa "importar" pra ninguém além de você.

A criação é um ato de resgate — não do mundo, mas da gente mesmo.
O fato de você estar aqui, lendo, dizendo que despertou um pouco desse lado criador... já é um começo. E começos importam.

Você não precisa provar nada pra ninguém. Nem pra si mesmo.
Só precisa continuar existindo e, quando der, colocar um pouco desse existir pra fora. Mesmo que ninguém veja. Mesmo que pareça inútil.

Sei que eu sou só um desconhecido num post qualquer, mas tô torcendo pra que você encontre espaço pra respirar de novo. E, se quiser trocar ideia, tô por aqui.

Forte abraço. Não deixa morrer, não.

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Posso não concordar com sua justificativa de criar algo "inútil", porém entendo sua vontade e curiosidade em desenvolver algo tão complexo e ao mesmo tempo, lindo. Hoje, também trabalho integrando e desenvolvendo API's, modelando banco de dados, decidindo o relacionamento entre tabelas. Mas, você está certo! Fazemos isso porque temos aluguel, nossos planos e ambições para serem sustentados.

Porém, ainda há curiosidade no programador. Eu também me aventurei desenvolvendo um bootloader e um kernel minimalista, lembro que na época eu deveria ter uns 16 anos. Programava em um notebook horrível, escrevendo código em Assembly x86 no bloco de notas, haha. https://www.facebook.com/share/v/1CYa9WZ4Jy/ (um vídeo mostrando meu OS na época).

O que mais me intriga hoje, é o fato de muitos não terem a curiosidade de entender como as coisas funcionam por de baixo dos panos (e nem deve ser obrigado a entender). Isso varia da curiosidade de cada um, mas uma ideia dessas, pode agregar muito no aprendizado. Fica a dica XD

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Cara, que resposta massa.
Respeito demais sua visão — e fico feliz de ver que, mesmo com opiniões diferentes sobre o que é “útil” ou não, a gente compartilha algo muito mais forte: essa curiosidade visceral que nos levou a fuçar até o último byte.

Esse seu vídeo é ouro! Que orgulho poder olhar pra trás e ver que você já tava ali, com 16 anos, escrevendo kernel no bloco de notas. Isso é pura paixão — daquelas que nem o notebook velho segura

E você tocou num ponto chave: não é todo mundo que vai querer saber o que tem por trás do sistema. E tá tudo bem. Mas pra quem sente esse chamado, vale muito se permitir mergulhar — porque esse tipo de aprendizado marca pra sempre.

Obrigado por compartilhar isso.
Essas trocas aqui valem mais do que qualquer métrica. Bora continuar criando, cada um com sua lente, mas com o mesmo brilho no olho.

Tamo junto!

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Puts que poético, já tentei fazer um OS mas web usando rust como API, a idéia era você ter o seu OS numa VPS e acessível pelo celular (responsivo) ou qualquer computador e para quem pergunta o "por que", não tem o porque... A resposta é porque sim, por que dá pra fazer, por que o ser criativo quer jogar ao mundo sua criação mesmo que o mundo cuspa e recuse, ou seja, simplesmente por satisfação pessoal kkkk o texto trata o projeto como um jardim e vejo como o jardim dos fundos, não é cultivado para exibir, é cultivado para satisfação pessoal, seja para contemplação final com o sentimento de "eu que fiz" ou para descanso mental durante o processo de criação.

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Exatamente, cara! A ideia de criar algo só porque dá pra fazer é o cerne de todo o processo criativo. A gente cria não para provar nada a ninguém, mas para dar vida a algo que só existe porque nós decidimos que sim. E no fim, se a criação ressoar com o mundo, ótimo, se não, a satisfação pessoal já vale a pena.

Eu vejo a criação desse tipo de projeto como um respiro entre a pressão do "tem que dar certo" e a liberdade do "quero ver o que acontece". E você colocou bem sobre o "jardim dos fundos" — é um espaço cultivado não para exposição, mas para satisfação interna, seja no processo ou na reflexão final.

No fim, a verdadeira recompensa está em fazer e não em ser reconhecido por isso. É só a gente, o código e a liberdade de explorar o que não tem fórmula pronta. É a única maneira de realmente se conectar com a essência da criação.

Obrigado por comentar.

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Postagem maravilhosa! Depois de muito tempo fazendo algo, até mesmo o que gostamos (principalmente quando se torna ofício) é praticamente certo de que nos esquecemos, desligamos das razões iniciais pelas quais começamos.

Esses projetos pessoais, sem utilidade prática, sem planos e pressa para escalar nos reconectam novamente, mesmo que apenas umas horinhas por dia, com essa essência do começo.

Meu GIZos ultimamente tem sido a minha própria biblioteca de estruturas de dados em/para C. Ela não é melhor que nenhuma das muitas outras que existem por aí, não é a mais otimizada e eficiente, não vai arrasar as mais consolidadas nos benchmarks e nem vai me dar algum tipo de renome, mas se tem algo que ela faz muito bem é trazer de volta o sentimento que me fez continuar programando até agora.

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Que comentário incrível, e como você captou a essência do texto! É verdade, muitas vezes, o trabalho se torna um automático, e acabamos nos desconectando das motivações iniciais que nos fizeram apaixonar pelo que fazemos. Mas, como você bem disse, os projetos pessoais são uma forma de nos reconectar com aquilo que realmente importa — sem pressa, sem a pressão de ter que escalar ou entregar algo "grande".

Seu GIZos, assim como a biblioteca de estruturas em C, é um exemplo perfeito disso. Não precisa ser o melhor ou o mais otimizado, porque o valor real está em algo muito mais íntimo: o retorno ao ponto de origem, onde a programação era pura exploração, prazer e curiosidade. Essa sensação de "fazer por fazer" é algo raro e precioso.

Esses projetos acabam se tornando um refúgio, algo que nos mantém motivados e com a chama acesa, mesmo quando o trabalho diário vira uma rotina. Às vezes, são essas "pequenas" criações que nos relembram por que começamos a programar em primeiro lugar.

Obrigado por comentar.

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A duvida que paira é, "por que?".

Atualmente não consigo tirar 10 minutos do meu dia super corrido para pensar em algo fora do script!

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Essa dúvida do "por quê" é realmente algo que muitos de nós enfrentamos, especialmente quando a rotina nos engole. É muito fácil ficar preso no automático, em um ciclo de obrigações que não nos deixa espaço para aquilo que é apenas por prazer, por curiosidade, ou até mesmo pela vontade de explorar algo novo sem ter um motivo claro.

Eu entendo a dificuldade de tirar 10 minutos do dia para pensar fora do script. O tempo parece nunca ser suficiente quando estamos imersos em um mar de tarefas, mas talvez esse seja o próprio "porquê". Criar, experimentar, se perder no processo de fazer algo que não precisa ter um propósito imediato é uma maneira de voltar a se conectar com a essência do que nos motiva.

Às vezes, é só dar um passo atrás e encontrar um pequeno espaço de silêncio na rotina para respirar e deixar a mente viajar. A dúvida do "por quê" pode até pairar, mas é nos momentos fora do script que a resposta se encontra. Não precisa ser muito tempo, só um pequeno respiro.

Obrigado por comentar.